sexta-feira, 8 de agosto de 2014

DOIDOS DO XADREZ

POSTEI ESTE EM TEXTOS DE AMOR E HUMOR, COMO NORMALMENTE FAÇO POSTO AQUI TAMBÉM, POIS É OUTRO PÚBLICO.

Meu Universo


Muita gente diz que o jogo de xadrez agrupa ou transforma em malucos os que o praticam. Eu que faço parte da panelinha, naturalmente discordo, mas algumas estorinhas, passagens rápidas, ou personagens que não têm muito a ver com maluquices, podem ser registradas. Como quase todos os que estão no metiê viveram ou possuem alguma coisa incomum, fica difícil imaginar por onde começar, e pra não dizer que tal pelo início, vamos começar, como Machado de Assis em Brás Cubas, pelo fim – a bomba atômica.
Dois dos mais bizarros personagens, (um está foragido e o outro bem ativo entre nós) foram jogar em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Lá pela terceira rodada não tinham feito ainda nenhum ponto e o foragido, forte jogador, tava puto da vida. Convidou o outro para dar uma volta pelas redondezas, conhecer a cidade. Muito bem, montaram na moto e andaram uns 30km no meio do nada até chegar a uma enorme construção, muito vigiada, onde o condutor pediu ao carona pra descer e pegar informações do que era aquela grandiosidade. Enquanto J. perguntava, Daniel se mandou deixando o companheiro dentro da usina atômica em plena era do vaga-lume. Era este o nome da aberração, na época de testes, e hoje, pelo que me consta, apagou de vez.
Um outro, e este definitivamente eu não posso falar ou me escapa o nome, em um período meio depressivo/paranóico, inventou de brigar com um caminhão. Ia ao banco ou supermercado e lá estava o bicho bem parado no meio do caminho. Começou a fugir, dobrar na esquina, fazer o caminho mais longo, mas ainda assim a nóia fazia ele ver o caminhão. Rogou-lhe uma praga e o monstrengo foi roubado, mas parece que o proprietário tinha seguro porque comprou um outro, só que bem menor, e nosso personagem tá até hoje implicando com o toco de caminhão (no Ceará é cafuringa) e rogando mais praga, já que a principal só pegou pela metade.
Agora uma que vale pra dois, um de cada lado e no meio... um tabuleiro, é claro. Os até então amigos possuem mais ou menos o mesmo nível de jogo, mas um estava com uma boa vantagem material e o outro, vendo-se perdido, mas possuindo uma grande visão tática, procura inventar e apronta mate indefensável em dois lances. Nosso ex-vencedor, inconformado, passa bastante tempo procurando uma saída, e o outro, brabo com a demora, abandona a partida. Dizem que quem pagou pelo desaforo foram a geladeira, que teve um copo amassado contra si, e a dona da casa que, paciente, foi juntar os cacos.
Esta eu já contei, mas como o contexto é outro, vou me repetir. Um quase-como-eu, cego (de verdade), jogava um torneio de alto nível e tava indo bem, ganhava um pontinho aqui, meio ali, ficou empolgado, tomou umas biritas e foi jogar a última do dia. Irreconhecível, perdeu várias peças e ao abandonar a partida comentou: eu não vi nada! Realmente, nem sentiu (que tava bêbado).
Temos vários filósofos, tantos que não dá para falar de todos, então citemos uns dois: o epicurista Dr. Tarcísio, ou como diz o Eduardo, o Tarcisião, fazendo jus ao princípio de sua filosofia, comia, bebia, fumava e fazia mais algumas estripulias sem muitas limitações. Em dia inspirado, jogando com um desses fortes e jovens jogadores que surgiram ultimamente, aplica-lhe uma bela sova. O menino perdeu literalmente o caminho de casa, veio comigo e não achando como justificar a derrota saiu-se com essa: eu não sei como pode, um cara que é médico, bebe, fuma, faz o que ele faz. E eu calado pensando: exagera até em jogar bem o xadrez.
Um outro, sofista, tem uma pérola de quatro letras como máxima: se é, é. Sábio, muito sábio. Eu que freqüentava bastante a sua casa e como sou do ramo, um dia levei lá um cego. O cara não via com os olhos, mas com os ouvidos... foi só o fulano começar a conversar ele sapecou-lhe um belo apelido – xarope – depois me explicou o porquê: o troço é doce mas muito enjoado, serve pra enganar criança ou pra quem tá quase surdo, de gripe. Se é, é.
E aquela do André que foi arbitrar um torneio em Guarapari e à noite foi conosco a uma pizzaria tipo rodízio. Como a despesa dele era por conta da organização, pediu o cardápio mais caro, que dava direito a comer 99 sabores diferentes. Ele não perdeu tempo, disse que ia experimentar todos, mandou ver, comeu, comeu, não sei onde coube tanta comida, mas o que sei de fato é que o restaurante faliu e até hoje o prédio está entregue às moscas.
Um da turma mais antiga diz que não é doido, mas bate na mãe, e como eu não gosto de quem bate na mãe, nem vou comentar. Outro foi comigo visitar Sérgio Nasser, que estava internado. Serjão, inteligente como era, manda-o sentar-se na cama e em pouco tempo chega a enfermeira com uma baita injeção, vai aplicar em Benigno que já está deitado, e este diz que não é ele o doente e a enfermeira retruca: é, meu amigo, aqui todo mundo diz isso. Detalhe: a clínica, óbvio, era psiquiátrica. Na mesma clínica, depois que saiu, Serjão inventou (?) que tinha um bode e o mesmo quis comer suas calças. Disse que a enfermeira deu a ele um porrete pra se defender do enorme e fedido caprino e aí ele desatinou de vez: um bode dentro da clínica e a enfermeira dá um pau ao interno. É, ele deve ter mesmo inventado. Saudades, amigo, desafie Capablanca, Lasker e Alekhine, reze uma boa oração para todos os santos, e bata nos três monstros sagrados.
Tem também o velhinho que se recusou a jogar com as peças vermelhas, tem o filósofo pericliano/ornitológico, tem aquela artista que fez uma bela apresentação em Pinheiros, tem aqueloutro e mais um outro. São tantos que talvez renda mais um texto (duro de ler II) e, pra terminar, como aqui não tem estória de doido, resta dizer que o caderno que contém estas anotações é escrito de trás pra frente, só não me ocorre agora o motivo.

Setembro de 2007.
Colaboração das lembranças de Ana Paula.

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