quarta-feira, 7 de outubro de 2015

BONS MENINOS

DURANTE OS VINTE E CINCO ANOS QUE TRABALHEI NO BANCO TIVE BONS COLEGAS E ALGUNS EXCELENTES CHEFES, MAS TAMBÉM TIVE ESTES.

Babacas e Chatos

Será que eram mesmo necessários os dois nomes? Deve ser só porque são pessoas diferentes ou uma só palavra é pouco pra definir as peças.
Na rua onde moro quase toda semana passa um bandido (pois só pode ser), com a moto superpotente fazendo um barulho insuportável. Eu sempre falo que ele tem doutorado em babaquice e só não dou uns berros, que certamente ele não ouviria, porque sou por demais medroso e ainda porque “dou um boi pra não entrar em briga, e uma boiada para não sair”.
Tenho um amigo cego que é meu instrutor de xadrez (e por aí avaliem o quanto eu enxergo). Bom, mas o fato é que caí na bobagem de falar pra ele que minha esposa é perita em tolerar chatos, e está muito claro que chato são os outros, não eu. Bom novamente, tá quase bombom de tanto bom, ele falou que vai trazer a namorada aqui pra ela fazer um curso completo de como tolerar chato, pois está pensando em se casar com ela. Este deve ser o bacharelado e eu que trabalhei 25 anos em um serviço muito chato e com vários chefes idem, lembrei de alguns, cujas esposas bem podiam dar os cursos de mestrado e doutorado pra menina, na remota hipótese de o que ela aprender aqui ser insuficiente.
Algumas destas professoras estão em um nível altíssimo de conhecimento da matéria, e assim eu corro um sério risco de ser injusto ao nomear uma delas para o mestrado.
Vou me arriscar com a Regina. Esposa do Aragão há cinqueeeenta anos, ela não se rebelou diretamente, mas arriou, psicologicamente falando. O cara é extremamente difícil, sempre com o mesmo papo e com uma insegurança que, acho, fez ela não larga-lo quando ainda era tempo. Esta com certeza tem doutorado: em anjologia.
Ubirajara, ou como é mais conhecido, o Bira, perdoem-me, mas este tem que ir pro final, pois é unanimidade em chatice.
O Mário, que já citei em uma crônica, sabe tudo, sempre tá certo, e reclama que nem bode embarcado, além do papo pegajoso e sem graça. Pois pois, depois de fugir dele durante uns quinze anos, encontrei-o em um ponto de ônibus, e nem o meu nem o dele chegaram antes da eternidade. Após um longo e tenebroso inverno, vejo ele correr e balançar os braços que nem o boneco da Shell, na avenida vizinha à que estávamos. Em um primeiro momento me espantei e até pensei que ele estivesse tentando fazer um bem pra humanidade, se suicidando. Mas logo vi que o cara não tem nada de “o cara” e lá estava o motorista do ônibus dando ré e voltando à avenida principal para levar a(o) mala. Tentou escapar fingindo ter errado o caminho, mas não é nada fácil se livrar de gente tão chata.
Os turcos Almir e Rubens, e vou por os dois juntos pra ver se valem a frase, eram subchefes e não se bicavam nem um pouco. Rubens assumiu a chefia por uns cinco dias e no primeiro cortou o meu ponto. Já o Almir, ameaça quase perene de assumir em definitivo a chefia, fez com que o Leonardo, único funcionário do Setor, andasse com o pedido de aposentadoria antecipada, devidamente datilografado, no bolso da calça.
Seu Alexandre Walter,veio de fora pra assumir a Gerência Regional da Caixa no ES. Soube, não sei por quem, quais eram as pessoas mais antipáticas da Filial e nomeou-os assessores, e lá estávamos nós com mais dois Rubens para odiar. O chefe deles, dada a função que tinha, bem que podia acumular com a de Chefe Geral dos Chatos. Os três já morreram, deve ter sido de praga.
E finalmente chegamos no Bira. Bira, Bira, Bira! Este merece uma estátua, e creio que só não fizeram porque ele já é um monumento: à chatice. Quando ele trabalhava, talvez porque eu não trabalhava diretamente com ele, não o achava tão chato. Foi só ele se aposentar que virou unanimidade. Pra começar todo ou quase todo dia ele ia na Caixa. Começou a reclamar (penso que o faz até hoje) que não recebia o tiquet alimentação, e tava sempre na Seção de Protocolo para reclamar por escrito. Numa dessas um colega falou que não queria aposentar e ficar como ele, Bira, todo dia batendo ponto. Ele tava fazendo o que mais sabe, no banheiro, e imediatamente cortou a seção pela metade, vestiu uma boa carapuça e foi à chefia. Fazer o que? Reclamar, é claro. Ele tem uma assessora jurídica, exclusiva para reclamações. Bom (de novo), é melhor a gente parar por aqui, né? Apesar de ainda ter o voto que ele votou NÃO, e ainda tirou foto para comprovar, como se preciso fosse! E se for relacionar o que uma meia dúzia de pessoas conhece, vai dar um livro. Só dele!
Setembro de 2015.

terça-feira, 14 de abril de 2015

TRAUMAS

VEZ OU OUTRA A PSICÓLOGA COM A QUAL ME CONSULTO FALA QUE ESCREVER SOBRE ELES AJUDA NA TERAPIA. ENTÃO TAÍ, VOCÊS,LEITORES, SERÃO TAMBÉM MEUS CURADORES DA MENTE.


A Boneca Aleijada
Há poucos dias li uma crônica de Elizabeth Martins, em que ela fala de presentes ganhos na infância e guardados até a vida adulta, ou mesmo até a morte. Ela diz inicialmente que não se lembrava de nenhum, mas depois descobre que aos seis anos ganhou do pai uma coleção de livros. Eu me lembro de dois, ambos ganhos de professoras primárias; Um livro, também, e uma bola de borracha, mas só lembro o destino da bola porque, óbvio, furou e foi pro lixo. O Natal, que por coincidência também é a data do meu aniversário, nunca existiu na minha infância, apesar de a musiquinha infantil dizer que “seja rico, seja pobre, o velhinho sempre vem”. Na Bela Vista, bairro paupérrimo de Fortaleza, ele, se vinha, vinha disfarçado ou escondido, com medo de ser apedrejado pela grande maioria que não ganhava nada.
Já adulto li um livro, “O menino Descalço”, de Oswaldo Abraão, autor meu conhecido, que também teve uma infância assim, e, todos os anos, ele comprava presentes de Natal e doava a crianças carentes. Parabéns pra ele, porque da minha parte não tenho nenhum apreço pela data, continuo sem receber presentes (agora por opção), e, fora os presentes obrigatórios, para mãe, esposas (tive duas) ou filhos, só me lembro de ter dado um, através do “Papai Noel” Correios, e nem sei se pode ser chamado de “presente”, pois doei uma bolsa com material escolar.
Este preâmbulo todo foi só pra dizer que me emociono muito vendo uma criança sem brinquedos, ou que possui somente os que ela inventa ou faz, como eu, às vezes, fazia.
Hoje, sendo já aposentado, e não mais dirigindo, ando bastante a pé, e outro dia, em uma caminhada, vi uma boneca na calçada, e pensando nos que não tem nenhuma, fui lá e peguei o brinquedo. Achei que a boneca de pano estava apenas suja, mas depois descobri que lhe faltava um braço, além de ser toda desengonçada. Senti como se ela fosse uma criança pobre, filho feio (que não tem pai), e abandonada. Já não queria mais doar o brinquedo, seria meu, ainda que impróprio para maiores de 65 anos, e ainda, do sexo masculino. Eu queria que aquele brinquedo apagasse alguns dos traumas adquiridos por não ter quase nenhum na infância; e por falar em infância, além de trabalho, o que tive muito nela foram proibições e com todo este quadro é bem natural os mais de vinte anos de psicoterapia, que carrego nas costas e na cuca. Parece que vou ter mais muitas seções, pois se a psicóloga logo falou que eu escreveria este texto, minha bela nega, quase sempre paciente e compreensiva, me subtraiu o brinquedo, e me somou mais uma proibição. Megera! Ainda bem que pelo menos o trabalho, o outro dos meus três monstros da infância, não mais pratico.
P.S. Ainda da psicóloga, certa vez eu comentando sobre a capa do livro que escrevi, falei que uma mulher era poetisa e dava as costas para as maldades do mundo; enquanto a outra era a guerreira, mãe do mundo, e defendia sua prole com muito vigor físico e força mental, como o faz quase toda mãe. Ela me fez um baita elogio: disse que a soma das duas era eu! Agora eu fico pensando se a boneca aleijada não era também eu. O eu dos meus traumas de uma vida toda, pois não os tive só na infância. Amanhã vou lá, descarregar um ou mais deles nos ouvidos da minha bela ouvinte/conselheira.
Março de 2015.

sábado, 24 de janeiro de 2015

AMOR FILIAL, AMOR PATERNO, AMOR, AMOR, AMOR.

MEU BICHINHO QUE SE FOI. COMO FALO NO TEXTO, GANHEI OUTRO, ATÉ MAIS INTERESSANTE QUE ELE, MAS A TRISTEZA PELA PERDA É GRANDE.

A Morte do Professor

Antes de mais nada um esclarecimento: ele foi batizado de Professor; não era um professor de verdade, embora, pelo menos a mim, tenha ensinado algumas coisas. Como ele era bem diferente dos demais, estava aqui e ali me fazendo escrever uns pequenos textos, ou citando-o, junto com a esposa Sofia, em alguns outros. Vou fazer uma interrupção pois faz poucas horas que ele morreu e eu já chorei um bocado e me encontro bastante triste. Voltei pouco tempo depois porque lembrei-me que nunca tinha chorado diante da morte, e creio que deve-se ao fato de esta ser inesperada. As outras pelas quais passei foram de pessoas idosas, ou foram lentas e esperadas (por doença) ou ainda, até desejadas, no caso, para evitar mais sofrimento. Meu Professorzinho (como o pai, João Vitor, e a avó, Ana Paula chamavam) morreu de complicações advindas de um acidente.
Ele e Sofia formavam um belo casal de calopsitas e tiveram mais de trinta filhos, que por não podermos criar, vendemos ou doamos, mas o interessante é que há poucos dias ganhamos um filhote superespecial: canta, conversa, dá beijos na boca e ainda estalados. Muito carinhoso, se deixar ele passa o dia inteiro pendurado no ombro. Também muito novo, e como não é filho foi logo passando a conversa na Sofia, e ganhando a inimizade do Professor, que sempre foi super apaixonado e ciumento.
Há uma semana minha mulher chegou em casa meio aborrecida e cismou que a dita cuja estava suja. Mandou vassoura e pano pra tudo que é lado e abriu um pouco mais uma das janelas, além de destravar e depois não travar de forma correta, uma das portas. Em pouco tempo deu um vento mais forte e foi aquele estrondo da porta fechando. Eu e Professor nos assustamos e, eu fiquei com vontade, mas ele sumiu mesmo. Procuramos por todo a casa e eu até rodei por diversos quarteirões em busca dele sem sucesso. Perguntamos a vários conhecidos e pedimos para que perguntassem aos seus conhecidos mas não tivemos nenhuma resposta. Passamos a admitir que o tínhamos perdido, mas um dia e meio depois ele me aparece semi-moribundo. Tinha passado o tempo todo atrás de uma porta, sem dar um pio sequer, logo ele que atazanava nossos ouvidos quando algo não estava ao seu gosto. Não entendemos nada. Passamos a lhe dar soro caseiro no bico e ele parecia que estava reagindo, mas uns dois dias depois, como ele não comia sólidos, minha mulher consultou uma veterinária, que mandou dar-lhe papa apropriada para passarinhos. Ele comeu um pouco e não resistiu, umas duas horas depois papocou.
Como eu sempre falo ou penso que sou bom para terminar textos, aqui vai o que me levou a escrever este. Logo que ele voltou do túmulo, o Nem, nosso filhote adotado, aborrecido porque achava que já tinha ganhado a viúva, começou a brigar, e muito, com ele, Professor. Tínhamos que separá-los a toda hora pois o Professor, debilitado, não tinha como se defender. Ocorre que umas doze horas antes de falecer, eu presenciei uma cena inusitada do Professor: ele chilreou alguma coisa, encostou no mais novo e deu-lhe um beijo. E o outro não o recebeu a bicadas, ao contrário, retribuiu o carinho, num gesto que eu achei lindo, da parte dos dois, e que me parecia, naquela hora, um pedido de desculpas e de amizade aceito. Posso estar “viajando” mas o que me fez mais chorar foi que depois aquele gesto me pareceu muito mais um pedido para que o moleque cuidasse bem da viúva e dos quatro recém-nascidos, que ainda se encontram no ninho, e comem no bico. Ele aceitou e está cumprindo a promessa. Deve ter menos de um ano, mas como menino prodígio que é, já alimenta os filhotes.
23/01/2015.