sexta-feira, 29 de agosto de 2014

VISÃO SOBRESSALENTE

É O QUE PARECE QUE POSSUEM OS DENOMINADOS "DEFICIENTES VISUAIS" POIS ELES, NA VERDADE, ENXERGAM MUITO MAIS QUE A MAIORIA DOS QUE SE DIZEM VIDENTES. COMO SÃO OBRIGADOS A UTILIZAR OS DEMAIS SENTIDOS DE FORMA MAIS AGUÇADA QUE NÓS, PASSAM A TER QUATRO SENTIDOS EM TOTAL OU QUASE TOTAL DESENVOLVIMENTO CONTRA CINCO NOSSOS A MEIA BOMBA.

A Terceira Visão

A imaginação é mais importante que o conhecimento.
Penso 99 vezes e nada descubro. Fecho os olhos, mergulho no silêncio e a verdade me é revelada.
Estes dois pensamentos de Albert Einstein são para mim bastante surpreendentes pois fui acostumado a ver diretamente com os olhos, a pensar para buscar as soluções, enfim, o mergulho interior ficou para o divã do analista.
Convivendo durante algum tempo com um cego tive a oportunidade de verificar na prática o quanto os dois pensamentos estão corretos, mas ainda assim, teimosamente, achei que os conhecimentos demonstrados pelo meu amigo Dílson vinham de seus estudo, esforço e inteligência. Ele bem poderia ter-me presenteado com um pouco da sua imensa sensibilidade. Quem sabe o fez, mas...
No princípio dos tempos, antes do pecado, o homem seria perfeito, posto que obra do Senhor, e como tal, portador de sua sabedoria. Com a “queda” do anjo perdeu-se o diamante da terceira visão e a sabedoria, assim como o pão, passou a nos custar o suor do rosto, pois só vem à luz com muito estudo, conhecimento do todo e, principalmente, de nós mesmos. Os que não vêem diretamente com os olhos parece que adquiriram o tal diamante já que, na maioria das vezes enxergam mais que nós, ditos videntes. E ainda não precisam submeter-se a nenhuma cirurgia sem anestesia, como descrita no best seller de Lobsang Rampa, do qual subtraí o título deste.
Como a introspecção e o auto-estudo lhes são característicos a equação se completa com a lição do gênio da Física que para eles é automática, obrigatória e gratuita.
São especialistas naquilo que resolvem fazer e, mais ainda, na superação de deficiências, quer sejam visuais ou não. Como exemplo maior podemos citar o astrofísico Stephen Hawking, que aos 21 anos teve diagnosticada a doença que o paralisou, com expectativa de vida de mais dois anos. Está com 65, casou duas vezes, teve três filhos, é ganhador de Prêmio Nobel e tem prevista para 2009 uma viagem espacial. Ganhar Nobel de Física é fácil, eu queria que ele me dissesse é como se geram filhos movendo apenas dois dedos e um computador. Hipertrofia de outras funções? Testosterona e esperma saindo pelas tabelas, ou melhor, pelos poros.
No Brasil encontramos maravilhosos atletas paraolímpicos como Ádria Santos, que correndo não enxerga ninguém à sua frente, Clodoaldo Silva, que nada como um tubarão australiano, mesmo com as nadadeiras inferiores prejudicadas por paralisia cerebral e Roseane Ferreira, a Rosinha, que foi empregada doméstica e, após perder uma perna, atropelada por um caminhão, tirou da pobreza e sofrimento a força necessária para bater os recordes de arremessos de disco e de peso. Os dois primeiros brincam de revezamento pra ver quem ganha mais e juntos somam 33 medalhas paraolímpicas!
Às vésperas de Copa do Mundo de 1970 o então treinador João Saldanha deixou Pelé no banco de reservas alegando que o astro portava miopia. Mudou o treinador e o resultado se conhece muito bem. Em nossos dias o cronista esportivo Armando Nogueira, comentando o fato, disse que “Pelé não precisava ver com os olhos já que ele enxergava por todos os poros”. É, os poros dessa gente são mesmo multifuncionais.
Como nem tudo são flores tem a estorinha do Alexsandro Viana que numa partida de xadrez com um cego entrou num final acelerado (quando faltam apenas cinco minutos para cada jogador) e mesmo com vantagem decisiva, perdeu o jogo. Foi bonito ver a alucinante velocidade táctil funcionando como condutores elétricos ligados diretamente ao cérebro, que respondia rápido, rasteiro e preciso, e o adversário sem saber se jogava ou usufruía o raro momento. E outra em que o cego perdeu diversas peças e ao abandonar a partida e cumprimentar o parceiro comentou: eu não vi nada! Ora, companheiro, console-se comigo que, dizem, enxergo um pouco. Só não esqueça de me mandar os direitos autorais, pois esta frase é minha e não me canso de repeti-la.
A Natureza, ou que seja, Deus, se não tem três olhos, certamente tem três mãos, e quando com uma tira, faz também seu mergulho interior e, lá mesmo no divã, quem sabe com alguma dor de consciência, junta as outras duas no pródigo ato de compensar.
Junho, 2007.
Stenio, com a colaboração do Olho (bem) Mágico do Instituto Braille.
Dedicada ao amigo e forte enxadrista Rodrigo de Souza.

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

DOIDOS DO XADREZ

POSTEI ESTE EM TEXTOS DE AMOR E HUMOR, COMO NORMALMENTE FAÇO POSTO AQUI TAMBÉM, POIS É OUTRO PÚBLICO.

Meu Universo


Muita gente diz que o jogo de xadrez agrupa ou transforma em malucos os que o praticam. Eu que faço parte da panelinha, naturalmente discordo, mas algumas estorinhas, passagens rápidas, ou personagens que não têm muito a ver com maluquices, podem ser registradas. Como quase todos os que estão no metiê viveram ou possuem alguma coisa incomum, fica difícil imaginar por onde começar, e pra não dizer que tal pelo início, vamos começar, como Machado de Assis em Brás Cubas, pelo fim – a bomba atômica.
Dois dos mais bizarros personagens, (um está foragido e o outro bem ativo entre nós) foram jogar em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Lá pela terceira rodada não tinham feito ainda nenhum ponto e o foragido, forte jogador, tava puto da vida. Convidou o outro para dar uma volta pelas redondezas, conhecer a cidade. Muito bem, montaram na moto e andaram uns 30km no meio do nada até chegar a uma enorme construção, muito vigiada, onde o condutor pediu ao carona pra descer e pegar informações do que era aquela grandiosidade. Enquanto J. perguntava, Daniel se mandou deixando o companheiro dentro da usina atômica em plena era do vaga-lume. Era este o nome da aberração, na época de testes, e hoje, pelo que me consta, apagou de vez.
Um outro, e este definitivamente eu não posso falar ou me escapa o nome, em um período meio depressivo/paranóico, inventou de brigar com um caminhão. Ia ao banco ou supermercado e lá estava o bicho bem parado no meio do caminho. Começou a fugir, dobrar na esquina, fazer o caminho mais longo, mas ainda assim a nóia fazia ele ver o caminhão. Rogou-lhe uma praga e o monstrengo foi roubado, mas parece que o proprietário tinha seguro porque comprou um outro, só que bem menor, e nosso personagem tá até hoje implicando com o toco de caminhão (no Ceará é cafuringa) e rogando mais praga, já que a principal só pegou pela metade.
Agora uma que vale pra dois, um de cada lado e no meio... um tabuleiro, é claro. Os até então amigos possuem mais ou menos o mesmo nível de jogo, mas um estava com uma boa vantagem material e o outro, vendo-se perdido, mas possuindo uma grande visão tática, procura inventar e apronta mate indefensável em dois lances. Nosso ex-vencedor, inconformado, passa bastante tempo procurando uma saída, e o outro, brabo com a demora, abandona a partida. Dizem que quem pagou pelo desaforo foram a geladeira, que teve um copo amassado contra si, e a dona da casa que, paciente, foi juntar os cacos.
Esta eu já contei, mas como o contexto é outro, vou me repetir. Um quase-como-eu, cego (de verdade), jogava um torneio de alto nível e tava indo bem, ganhava um pontinho aqui, meio ali, ficou empolgado, tomou umas biritas e foi jogar a última do dia. Irreconhecível, perdeu várias peças e ao abandonar a partida comentou: eu não vi nada! Realmente, nem sentiu (que tava bêbado).
Temos vários filósofos, tantos que não dá para falar de todos, então citemos uns dois: o epicurista Dr. Tarcísio, ou como diz o Eduardo, o Tarcisião, fazendo jus ao princípio de sua filosofia, comia, bebia, fumava e fazia mais algumas estripulias sem muitas limitações. Em dia inspirado, jogando com um desses fortes e jovens jogadores que surgiram ultimamente, aplica-lhe uma bela sova. O menino perdeu literalmente o caminho de casa, veio comigo e não achando como justificar a derrota saiu-se com essa: eu não sei como pode, um cara que é médico, bebe, fuma, faz o que ele faz. E eu calado pensando: exagera até em jogar bem o xadrez.
Um outro, sofista, tem uma pérola de quatro letras como máxima: se é, é. Sábio, muito sábio. Eu que freqüentava bastante a sua casa e como sou do ramo, um dia levei lá um cego. O cara não via com os olhos, mas com os ouvidos... foi só o fulano começar a conversar ele sapecou-lhe um belo apelido – xarope – depois me explicou o porquê: o troço é doce mas muito enjoado, serve pra enganar criança ou pra quem tá quase surdo, de gripe. Se é, é.
E aquela do André que foi arbitrar um torneio em Guarapari e à noite foi conosco a uma pizzaria tipo rodízio. Como a despesa dele era por conta da organização, pediu o cardápio mais caro, que dava direito a comer 99 sabores diferentes. Ele não perdeu tempo, disse que ia experimentar todos, mandou ver, comeu, comeu, não sei onde coube tanta comida, mas o que sei de fato é que o restaurante faliu e até hoje o prédio está entregue às moscas.
Um da turma mais antiga diz que não é doido, mas bate na mãe, e como eu não gosto de quem bate na mãe, nem vou comentar. Outro foi comigo visitar Sérgio Nasser, que estava internado. Serjão, inteligente como era, manda-o sentar-se na cama e em pouco tempo chega a enfermeira com uma baita injeção, vai aplicar em Benigno que já está deitado, e este diz que não é ele o doente e a enfermeira retruca: é, meu amigo, aqui todo mundo diz isso. Detalhe: a clínica, óbvio, era psiquiátrica. Na mesma clínica, depois que saiu, Serjão inventou (?) que tinha um bode e o mesmo quis comer suas calças. Disse que a enfermeira deu a ele um porrete pra se defender do enorme e fedido caprino e aí ele desatinou de vez: um bode dentro da clínica e a enfermeira dá um pau ao interno. É, ele deve ter mesmo inventado. Saudades, amigo, desafie Capablanca, Lasker e Alekhine, reze uma boa oração para todos os santos, e bata nos três monstros sagrados.
Tem também o velhinho que se recusou a jogar com as peças vermelhas, tem o filósofo pericliano/ornitológico, tem aquela artista que fez uma bela apresentação em Pinheiros, tem aqueloutro e mais um outro. São tantos que talvez renda mais um texto (duro de ler II) e, pra terminar, como aqui não tem estória de doido, resta dizer que o caderno que contém estas anotações é escrito de trás pra frente, só não me ocorre agora o motivo.

Setembro de 2007.
Colaboração das lembranças de Ana Paula.