segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

JÚLIO VERNE DO PARAGUAI.

EU PENSEI EM TUPINIQUIM MAS ACHEI QUE SERIA MUITO METIDO, E PREFERI UM JÚLIO FALSIFICADO.

Uma volta ao mundo em 30 minutos

Acontecia quando minha mãe vinha de Fortaleza e ficava uma temporada conosco. Saíamos para andar um pouco e tomar sol e geralmente fazíamos o mesmo trajeto, até porque ela já beirando os 90 anos me deixava sempre apreensivo com medo de um tropeço e queda. Assim, o caminho era sempre ou quase sempre, o que me parecia menos arriscado. De tanto girar nestas cinco ou seis quadras, conhecíamos as ruas, calçadas, buracos, saliências, cachorros, galinhas, papagaios, bem-te-vis e até gente. Não é de graça que tem o até e vem por último. É que eu sempre brincava com ela que não gosto de gente e respondia com um grunhido quando me saudavam com um bom dia, ao contrário das calçadas, buracos ou bichos aos quais eu oferecia a saudação.
Bem, mas se conhecíamos todos, também, óbvio, éramos conhecidos e os primeiros que eu comecei a implicar foi com uma turma que ficava em frente a uma gráfica, esperando iniciar o expediente. Como estavam sempre conversando e rindo eu dizia que era mangando dos dois velhinhos, um puxando de uma perna e a outra tentando puxar o corpo inteiro. Como minha mãe ficava uns seis meses em Fortaleza, quando voltava e algum deles ria, eu dizia que era de alegria, porque todos os outros apostaram que o casal sesquicentenário já estaria no cemitério, e só ele ganhou. Outras vezes vários riam e eu imaginava a piada sobre os dois ressuscitados.
Por falar em ressuscitados, havia uns buracos, quase crateras, na rua do valão, e para mim eram as covas rasas onde os trabalhadores noturnos do submundo do crime guardavam o produto ou subproduto de seu trabalho. Como havia também os mortos através de mandingas (quase sempre havia resíduos de macumba nas ruas), estes nem sempre tinham o trabalho bem feito, e viravam mortos-vivos que tentavam escapar das covas, furando a enorme laje de baixo para cima.
Mas, deixemos um pouco os mortos e falemos dos vivos. Dos cachorros eu sempre fui muito amigo e tinha sempre um gesto de carinho pra qualquer um e em especial, para os que vivem na rua. Ocorre que um que tinha dono, vivia preso e magro, parecia com fome, passou a encrencar conosco. Sempre vinha no portão e latia muito, quase uivava, tentava me morder, enfim, uma enorme fera de 20 ou 30cm. De tanto eu mexer com ele e de tanto ele irritar, um dia apareceu um menino e mandou ele se calar. Ele não só se calou como desapareceu e está sumido até hoje. Eu sempre procurava o bicho, e nada. Acho que o menino era mágico e fez o cachorro ficar mudo e invisível, pelo menos durante o período em que passávamos.
Com o papagaio eu não tinha muita intimidade e só ficava imitando-o bobamente: currupaco, currupaco! Já os bem-te-vis viviam atrás da gente, parece que gostavam também de caminhar e por duas vezes nos seguiram em pequenas viagens a Marataízes e Guarapari e nesta última um deles me aprontou. Meu sobrinho Eric fez uma farofa que eu gostei muito e mandei pedir mais, só que o transporte não foi nada ortodoxo. Marítimo, até aí tudo bem, mas o transportador foi uma onda e a embalagem uma garrafa plástica. Não sei se ele errou o CEP ou a onda não é boa de leitura mas o fato é que a garrafa foi parar em Guarapari e assim que a vi pulei na água, com toda a aversão que tenho a banhos de qualquer espécie. Ora, não é que a tal estava vazia e imediatamente o mais afoito dos pássaros, acho que era a fêmea, passou dizendo: eu-que-comi, eu-que-comi. Este disgranado ou migrou da Bahia ou veio comigo desde o Ceará.
De galinhas, no plural, não posso falar pois só havia uma, sorte minha se não eu poderia ser processado por poligamia já que a mesma casou comigo. Todos os dias eu ia vê-la, jogava beijinhos e ela có-có, có-có, cocorococó. Minha mãe dizia que eu tava caducando, não entendia nada, mas eu e ela, minha esposa galinácea, nos entendíamos muito bem. Um belo dia, já cuidando de nossos seis filhos e sendo eu um pai ausente, a zelosa mãe, querendo agradar aos filhotes ou tentando fazer deles atletas olímpicos, fez lá umas piruetas e saltos de dar inveja às Daianes Santos ou Diegos Hipólitos. Numa acrobacia mais ousada aterrissou de mau jeito, ficou sem bacia, quebrou as pernas e, claro, virou paraplégica. Teria que ir para os para-jogos. Meu sogro não gostou da estória, fez um ensopado da coitada, sem nenhuma piedade dela, ou pior, dos seis órfãos. Eu o excomunguei, virou sogro assassino – filicida. Até hoje brigo com ele quando o vejo, cheguei a ir à delegacia prestar queixa, mas o delegado, pacientemente, me explicou que o Código não previa pena (sem duplo sentido) para assassino de galinhas. Ainda bem que não foi a sogra que já é tão mal-afamada. Menos a minha, que é outra mãe.
Agosto de 2007.
Stênio, em lembranças para a mãe biológica, em sua sobrevida.
Colaboração de Ana Paula.

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