quinta-feira, 25 de julho de 2013

Dois Franciscos sem filhos

Eu tenho que fazer um túnel, como o euro, no Canal da Mancha, para poder ir ao posto de saúde, pois pela superfície estou tendo muito prejuízo. A compensação é que me rende um ou outro texto.


Chico e o Papa Francisco

Passo o dia quase todo no computador, e os médicos estão sempre insistindo para eu caminhar, o que detesto, principalmente quando é andar por andar, com o objetivo único de reduzir o sedentarismo. Ocorre que quando tenho meus compromissos de velhinho (leia-se: médicos, dentistas, farmácia, laboratórios...) aproveito para fazer as ditas caminhadas e quase sempre vou a pé. Numa destas, estava já atrasado e caminhava apressado e meio desatento aos acontecimentos periféricos, quando de repente senti um agarrão, daqueles que os seguranças costumam dar em um suspeito de agressão aos seus protegidos. Tomei um susto pois estava em frente ao famoso bar “Calçada da Fama”e o pessoal dali não costuma ter essa força toda, pois já estão bem corroídos pelo álcool. Ainda meio amarelo vejo que era o Chico, inveterado, mas que bebe pouco porque logo cai, razão de ter ainda alguma força, aliado ao fato de que já foi militar, dispensado, imagina por que...alcoolismo, é claro. Como antes de cair arranja bastante confusão, seus familiares pedem pra eu não dar a ele o dinheiro da pinga, o que normalmente faço com os outros. A razão do agarro tão forte, além, é claro, do desespero provocado pela síndrome, é que umas duas ou três vezes antes eu negara o trocado, atendendo, ainda que a contragosto, aos seus parentes. Fui mesmo aprisionado sem direito a sursis, só liberável mediante fiança. Como ele fez toda a propaganda para os papudinhos, eu morri em R$ 61,00 pra ser libertado, fiança cara e que com certeza evaporou rapidamente, com tantos cirróticos juntos.
Segui meu caminho e no consultório deparei-me com outra cena estranha: após me identificar através do porteiro eletrônico, o portão foi aberto e para minha surpresa entrei em um cubículo de uns 3m2 onde eu tive que me identificar novamente para ser aberto o segundo portão. Onde estamos né? E o pior, aonde vamos parar com tanta insegurança, pois certa e infelizmente o fundo do poço ainda está bem longe.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o Papa é chamado de demagogo e hipócrita por andar em carro aberto, abraçar alguns pobres e não usufruir dos luxos normalmente oferecidos aos poderosos em todos os lugares por onde passam. Por oportuno, anexo aqui um comentário atribuído a Jô Soares, sobre o assunto:

“Não sou católico, e nem estou defendendo o catolicismo, mas fico impressionado ao ver a quantidade de gente ofendendo o Papa, chamando-o de hipócrita por andar em um carro simples. Então ser sincero é o que? Andar de avião particular como o
“Bispo” Macedo? Dirigir carros milionários como o “Pr.” Silas e depois pedir oferta na TV dizendo que precisa desse dinheiro para a “OBRA”? Se hospedar em hotéis cinco estrelas na Europa com a desculpa de pregar como R. R. Soares? Por favor, se querem julgar olhem primeiro para os seus “paradigmas”, antes de acusar os outros”.

Vou esperar mais um tempinho mas, pelo andar carruagem, eu que também nem católico sou, vou ter que, se não gostar, o que é um exagero, pelo menos simpatizar com um argentino. Que seja o único, pelo menos vivo, pois Borges (Jorge Luiz) já papocou, e o Messi, bom, ele bem poderia ser espanhol e eu acharia o futebol dele fantástico.
Resumindo: primeiro eu pensei que estivesse sendo agarrado por um dos seguranças do Papa, depois, no consultório, comentei que eles deviam estar mais seguros do que o Pontífice, e finalmente, parece que o Santo Padre acredita mesmo na santidade, e deve ter rezado bastante, pois saiu ileso da violência e das afiadas línguas que lhe atiraram pedras.
Julho de 2013.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

To Be or Not To Be - Eis a Questão


Ser ou não ser tinha tudo pra titular este texto, caracterizando o existencialismo do escritor e até porque recentemente vi o muito bom filme "Anônimo" que fala de Shakespeare, mas a referência a Poeta/Não Poeta prevaleceu, talvez com alguma perda. Tudo bem, não se pode ganhar todas. Pelo menos, ainda que sem muito querer, voltei a dizer alguma coisa.


Escrever/Não Escrever

Depois do Poeta/Não Poeta, pequeno texto em que me referi a Castro Alves e ao fato de que poderia não mais escrever, é a primeira vez que “faço uso da pena” como diria meu conterrâneo José de Alencar. E o que me levou a molhar o bico, ou melhor, a tirar um pouco da poeira do teclado? Foi exatamente a não vontade de escrever e que me fez lembrar de um outro grande nome da literatura nacional, Carlos Drummond. Há bastante tempo li em um jornal, onde ele escrevia diariamente, que naquele dia ele não estava com vontade de escrever e assim o título do texto era: hoje não tem crônica. Pois bem, como quem não tem mesmo assunto, começou falando do tempo, já que era um lindo dia de primavera; falou do mar e do azul do céu, pois estava à sua vista o calçadão de Ipanema, ou Copacabana, não importa; falou do amor que langorosa e suavemente lhe inflava o peito; falou do doce gemido do recém-nascido, que talvez fosse o primeiro pedido de benção à mãe, deve até ter falado da paz, que sempre existiu muito mais em nossos pensamentos do que na realidade.
Falou de futebol, pois era domingo e logo mais à tarde, e logo ali, no esplendoroso exmaiordomundo, teríamos o divino coro de muitos milhares, gritando gol. Não me lembro bem, mas creio que também falou de algumas caras reminiscências da sua distante infância, lá na também distante (mas não muito) Itabira, que na sua opinião, expressa em outro momento pois neste não caberia, era “feita de ferro e melancolia”.
Falou bonito, como sabia fazê-lo, e disse do bom, como era de seu feitio; e isto porque não queria escrever, mas a verdade é que a escrita lhe vinha da alma e fluía-lhe por todos os poros, ainda que estes não precisassem dos 95% de transpiração que, ainda segundo ele, era necessário para escrever, sendo que os outros 5% seriam de inspiração. Ironicamente ele devia estar se referindo a mim porque para ele a proporção certamente era invertida.
Mas ele fez o que se propôs, no título: não teve crônica, fomos brindados com uma poesia, o que não me deixou nem um pouco surpreso, pois seus escritos, em grande maioria, são poesias, mesmo quando, em seu cartão de visita, enganosamente nos dizem que são prosa.
Não escrever para ele era isso, mais um Uirapuru a me causar uma tremenda inveja, eu que não ouso cantar como coleiro, e que chego a ter inveja até dos dois netos, calopsitas, que, sempre ao meu lado, são quase tão desafinados quanto o avô.
Não escrever, diferentemente de Drummond, para mim é isto.
Para Malu, inspirado em seu comentário no texto, já citado no início deste, Poeta/Não Poeta, e ainda, aproveitando porque sei que ela gosta muito de Mário Quintana, peço licença ao espírito deste para discordar, e se alguém perguntar, eu explico, como bate um coração “langorosa e suavemente”. Creio que ninguém vai perguntar, especialmente os que leram o grande poeta. Os que não leram podem sair à francesa, então eu não tenho como perder.
Julho de 2013.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

EM BOA COMPANHIA

Fui a um evento cultural em São Paulo em que o excelente poeta alagoano Raimundo Palmeira declamou "Ontem foi Sábado" muito bom e inspirado no outro melhor ainda, de Vinícius, "Porque Hoje é Sábado". Como não sei escrever como nenhum dos dois, fiz este pequeno texto (textículo?) na sequência da semana, e posto exatamente para aproveitar o dia de hoje.


Segunda feira, cara de domingo

"Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças feiras mais cinzentas, têm o direito a converter-se em manhãs de domingo".
Thiago de Mello - Os Estatutos do Homem - Artigo II .

A gente sempre reclama da segundona, né? É a ressaca, a rotina de sempre, enfrentar o chato do chefe, é saber que o próximo sábado demora uma eternidade, é voltar pra dieta por dois longos dias interrompida. Mas o que dizer quando acordamos com a sensação de que temos de ir a feira, o que só fazemos aos domingos? Que o sol está nos convidando a ir à praia e que temos certeza que encontraremos lá muita gente e especialmente os amigos?
É realmente uma segunda bem diferente, talvez seja a proximidade do Natal. Ou a condição de aposentado, adquirida após muitas iguais e massacrantes segundas chatas com chefes idem, impressão de ser escravo da sobrevivência, do instrumento de tortura chamado trabalho, da rotina neurotizante de quem foi bancário (leia-se: auxiliar de ladrão), por 25 anos.
Será que uma segunda assim pode ser encarada como um ano novo? Ou mais ainda: como um recomeço (ou ressurreição), para quem por tanto tempo se encontrou perdido. (Morto? Pelo menos quando trabalhava fiquei por longo período lotado no arquivo
que leva este nome, mas que em virtude da turma que ali trabalhava ganhou o apelido carinhoso de Setor Pé na Cova.)
Pode ser o milagre há tanto esperado, batalhado, buscado talvez desde o parto, que já foi bastante difícil, infância com mais dificuldades ainda, muita batalha pelo rango, que infância mesmo...babau.
Uma segunda sem obrigações, sem a vida igual areia, esvaindo-se em uma ampulheta.
58 anos de luta, faltando poucos dias para somar mais um, e enfim encontrar o dia que queria para toda a vida e ele me vem, ironicamente, na segunda-feira. Deus, como disse o poeta, deve ser mesmo um cara gozador. Quem sabe um dia ele me explica por que
fez as segundas tão chatas e depois me presenteou com uma tão maravilhosa. E sem estresse ou ansiedade, não tenho qualquer pressa pela explicação.

Novembro de 2007.




quarta-feira, 10 de julho de 2013

Preguiça Poética

Como estou sem nenhuma disposição para escrever, principalmente poesia depois que reli Castro Alves, e para não deixar meus poucos leitores na mão, vou postar umas crônicas.


CALÇADA DA FAMA

Estou na terceira ou quarta idade pagando um carnet da Genésio Morra Fácil e nestas condições, se deixei de bater ponto no banco, passei a bater no posto de saúde. Vou quase todo dia santo e especialmente às segundas-feiras quando as doenças tiveram três longos dias para fazer a festa. Como tenho que ir cedinho para entrar na fila, ao passar na última esquina antes do posto sempre tem frente ao bar um bom número de alcoólatras a esperar pela abertura da “farmácia”. Chova ou faça sol eles também batem seu ponto e estão sempre lá. Conseguem não sei onde umas cadeiras, e quando estas são insuficientes, encostam-se nas paredes, ou sentam mesmo no chão. O fato é que estão sempre ali e aí o pessoal não perdoou, virou Calçada da Fama.
Até que tem uns cirróticos bem simpáticos e vez ou outra eu paro e compro algo pra eles ou dou algum dinheiro pra birita. Certa vez um me pediu um maço de cigarros e fui ao outro bar, em frente, para comprar. Vi uns pastéis quentinhos e bem apetitosos e comprei um para ele, mas de sacanagem, na hora da entrega, escondi o cigarro e ofereci o pitel. O camarada criou o maior caso e eu abri a mão onde estava o cigarro. Ele ficou tão sem graça que até hoje tenho dor na consciência da maldade que fiz.
Gelson, perna de passarinho, frequenta pouco a Calçada mas em compensação seu Nésio tem que expulsar ele do balcão quase todo dia e em alguns ele sai no carrinho de mão. Ele tem conta corrente no botequim mas as anotações estão apenas na coluna de débito. Bruno todotorto, ainda não está na Calçada porque só bebe simidão, pagar que é bom, necas, e olha que é aposentado e recebe um bom trocado.
Bebo Ananias tá sempre na exposição mas tem lá suas razões: é compositor e vive cantando seu maior sucesso, Maria Rosa, do qual só me lembro o estribilho: Maria Rosa deu um peiiiiido na ladeira... e lá de cima só se ouvia a peidadeira.
Às vezes, lá pela madrugada ele implica com alguns políticos ou vizinhos, com a mesma gritaria com que canta seu estribilho e numa dessas ele implicou com Gelson que dormia dentro de uns carros velhos, no meio da rua. Ameaçou botar no carro um casal de pulgas e deve ter cumprido a ameaça já que em pouco tempo Gelson abandonou os carros e anda com as pernas bastante roídas.
Chico, filho de seu Nésio, não bebe em casa pois o pai não serve. Um vez encontrei-o na feira e perguntei se ele levaria um buquê de flores para a irmã dele, Angelita, minha vítima favorita no Posto de Saúde. Ele, na maior boa vontade, saiu rapidinho com as flores e eu dei-lhe o trocado para tomar a de lei, mas mesmo assim as flores ainda estão a caminho. Não sei se valeram uma ou mesmo duas cachaças, e ele sempre que me vê afirma que entregou as flores, só não diz a quem.
Machadinho, quando era o feliz proprietário de um bar, tinha um lema: se sobrar nós vende. Já o Romário, frequentador não tão assíduo da nossa Calçada, tem um lema diferente: A gente não vende tudo porque se não vai pagar mais caro no bar famoso. Como ele só negocia aos domingos, na feira livre, na segunda o patrão é dispensado de lhe ver a cara. Feira normalmente acaba cedo, principalmente pra ele que não pode vender a mercadoria toda, então o restante do dia e, creio, às vezes algumas noites, são dedicados ao consumo doméstico. Também não sei se é quando sobra muito ou pouco, mas o fato é que algumas vezes encontro ele bem cedo, desesperado a bater na porta de um outro botequim, (pois a Calçada, sendo nobre, tem horário para abrir) perturbando o dono pra servir a primeira da semana antes de raiar o sol. Lembrei-me do Castanha, que bem moço mas já inveterado, na segunda ele sempre esfriava o café e, todo se tremendo, punha álcool dentro e ingeria. Detalhe: ele era envernizador e o álcool era o sujo mesmo, de fazer verniz. Morreu cedo, verniz não deve ser muito bom pro fígado.
Antes que eu esqueça devo dizer, para quem por acaso não saiba, que também sou alcoólatra, meio sistemático, é certo, mas mesmo assim sou, e todo dia por volta das dez da manhã, lá estou eu começando o almoço e sofregamente bebendo meus limãozinhos. Por isso tenho que descrever com muito carinho os meus companheiros de vício. E se com carinho também dou os trocados pra bebida, alguns maldosos me chamam de mata bêbado pois vez ou outra um engole um gole a mais e papoca, como se diz no Ceará: com linha e tudo.
Mas não faz mal, o Genésio é logo na outra esquina e seu nome deve ser derivado de generoso, pois deste pessoal ele cuida, mesmo sem carnê.
Chega, tá dando dez horas e eu tenho que cuidar da vida pois a morte é certa, com ou sem os pagamentos à funerária. Vou tomar a minha, e tenho que sair um pouco antes pois sendo sábado, e ainda com a mulher em casa, sou obrigado a tomar banho. Saco, já tou atrasado, essa merda de bater ponto!
Março de 2011.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

VÍCIOS


Há muito tempo atrás eu era viciado ne jogo do bicho e vivia sonhando com números, chegando até mesmo a acertar uma vez no milhar que me veio através de um desses sonhos. Quando fiz este poema também estava meio viciado em escrever e ele me veio quase totalmente em sonhos, só tive que dar uma arrumadinha, pela manhã.


SÚPLICA

Por favor, não vá, não vá agora
Espera (em calma)
As flores da Primavera
Da minh’alma.

Por favor, não, não vá agora
Espera o sono bom da madrugada
Quem sabe estando já bem saciada
Possa eu finalmente te deixar sair
Esperando que me prometas vir
E sem demora
Mas, por favor, não vá, não nesta hora.

Não deixe que minhas flores se afoguem
No líquido rubro que meu peito chora.

Para que eu engane minha saciedade
Fique mais um pouco só que seja
Depois te pedirei mais outro tanto
E suplicar, eu sei, também é pouco
Diante do não pedir e ficar louco:
Perder o céu, de sempre que me beijas.

Nervos, coração, mente, tudo te implora
Por favor, não vá, não vá embora.

Stenio, (em sonhos/pesadelos), setembro de 2009.