segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

JÚLIO VERNE DO PARAGUAI.

EU PENSEI EM TUPINIQUIM MAS ACHEI QUE SERIA MUITO METIDO, E PREFERI UM JÚLIO FALSIFICADO.

Uma volta ao mundo em 30 minutos

Acontecia quando minha mãe vinha de Fortaleza e ficava uma temporada conosco. Saíamos para andar um pouco e tomar sol e geralmente fazíamos o mesmo trajeto, até porque ela já beirando os 90 anos me deixava sempre apreensivo com medo de um tropeço e queda. Assim, o caminho era sempre ou quase sempre, o que me parecia menos arriscado. De tanto girar nestas cinco ou seis quadras, conhecíamos as ruas, calçadas, buracos, saliências, cachorros, galinhas, papagaios, bem-te-vis e até gente. Não é de graça que tem o até e vem por último. É que eu sempre brincava com ela que não gosto de gente e respondia com um grunhido quando me saudavam com um bom dia, ao contrário das calçadas, buracos ou bichos aos quais eu oferecia a saudação.
Bem, mas se conhecíamos todos, também, óbvio, éramos conhecidos e os primeiros que eu comecei a implicar foi com uma turma que ficava em frente a uma gráfica, esperando iniciar o expediente. Como estavam sempre conversando e rindo eu dizia que era mangando dos dois velhinhos, um puxando de uma perna e a outra tentando puxar o corpo inteiro. Como minha mãe ficava uns seis meses em Fortaleza, quando voltava e algum deles ria, eu dizia que era de alegria, porque todos os outros apostaram que o casal sesquicentenário já estaria no cemitério, e só ele ganhou. Outras vezes vários riam e eu imaginava a piada sobre os dois ressuscitados.
Por falar em ressuscitados, havia uns buracos, quase crateras, na rua do valão, e para mim eram as covas rasas onde os trabalhadores noturnos do submundo do crime guardavam o produto ou subproduto de seu trabalho. Como havia também os mortos através de mandingas (quase sempre havia resíduos de macumba nas ruas), estes nem sempre tinham o trabalho bem feito, e viravam mortos-vivos que tentavam escapar das covas, furando a enorme laje de baixo para cima.
Mas, deixemos um pouco os mortos e falemos dos vivos. Dos cachorros eu sempre fui muito amigo e tinha sempre um gesto de carinho pra qualquer um e em especial, para os que vivem na rua. Ocorre que um que tinha dono, vivia preso e magro, parecia com fome, passou a encrencar conosco. Sempre vinha no portão e latia muito, quase uivava, tentava me morder, enfim, uma enorme fera de 20 ou 30cm. De tanto eu mexer com ele e de tanto ele irritar, um dia apareceu um menino e mandou ele se calar. Ele não só se calou como desapareceu e está sumido até hoje. Eu sempre procurava o bicho, e nada. Acho que o menino era mágico e fez o cachorro ficar mudo e invisível, pelo menos durante o período em que passávamos.
Com o papagaio eu não tinha muita intimidade e só ficava imitando-o bobamente: currupaco, currupaco! Já os bem-te-vis viviam atrás da gente, parece que gostavam também de caminhar e por duas vezes nos seguiram em pequenas viagens a Marataízes e Guarapari e nesta última um deles me aprontou. Meu sobrinho Eric fez uma farofa que eu gostei muito e mandei pedir mais, só que o transporte não foi nada ortodoxo. Marítimo, até aí tudo bem, mas o transportador foi uma onda e a embalagem uma garrafa plástica. Não sei se ele errou o CEP ou a onda não é boa de leitura mas o fato é que a garrafa foi parar em Guarapari e assim que a vi pulei na água, com toda a aversão que tenho a banhos de qualquer espécie. Ora, não é que a tal estava vazia e imediatamente o mais afoito dos pássaros, acho que era a fêmea, passou dizendo: eu-que-comi, eu-que-comi. Este disgranado ou migrou da Bahia ou veio comigo desde o Ceará.
De galinhas, no plural, não posso falar pois só havia uma, sorte minha se não eu poderia ser processado por poligamia já que a mesma casou comigo. Todos os dias eu ia vê-la, jogava beijinhos e ela có-có, có-có, cocorococó. Minha mãe dizia que eu tava caducando, não entendia nada, mas eu e ela, minha esposa galinácea, nos entendíamos muito bem. Um belo dia, já cuidando de nossos seis filhos e sendo eu um pai ausente, a zelosa mãe, querendo agradar aos filhotes ou tentando fazer deles atletas olímpicos, fez lá umas piruetas e saltos de dar inveja às Daianes Santos ou Diegos Hipólitos. Numa acrobacia mais ousada aterrissou de mau jeito, ficou sem bacia, quebrou as pernas e, claro, virou paraplégica. Teria que ir para os para-jogos. Meu sogro não gostou da estória, fez um ensopado da coitada, sem nenhuma piedade dela, ou pior, dos seis órfãos. Eu o excomunguei, virou sogro assassino – filicida. Até hoje brigo com ele quando o vejo, cheguei a ir à delegacia prestar queixa, mas o delegado, pacientemente, me explicou que o Código não previa pena (sem duplo sentido) para assassino de galinhas. Ainda bem que não foi a sogra que já é tão mal-afamada. Menos a minha, que é outra mãe.
Agosto de 2007.
Stênio, em lembranças para a mãe biológica, em sua sobrevida.
Colaboração de Ana Paula.

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terça-feira, 19 de novembro de 2013

AVES E OUTROS BICHOS...ENCANTADOS.

A Cigarra, as Formigas e a Cachaça.


Minha mãe sempre falava que bem-te-vis se disfarçam, que são assim como os agentes secretos entre os pássaros, e eu ficava imaginando como ele se portaria de agente da CIA ou de James Bond. Como em outros textos andei xingando os mesmos (os pássaros, não os agentes) e principalmente uma fêmea que me comeu uma farofa preparada no Ceará e, não satisfeita, após cometer tão bárbaro crime, ainda veio me zoar. Mexer em farofa de cearense ou baiano é briga na certa. Bom, parece que a moleca é vingativa pois deixou baixar a poeira, já que vingança é um prato que se come frio, e atualmente, não só disfarçada mas também invisível, tem entrado aqui em casa e detonado o meu outro sagrado objeto de desejo – a bebida. Meu estoque se reduz em razão quase geométrica enquanto eu só consigo repor em razão aritmética. E ainda dizem que esta é água que passarim não bebe.
Se eu não tivesse este terrível, perigoso e declarado inimigo e ainda, se estivesse um pouquinho de bom humor (mas nem me lembro mais o que é mesmo isto) poderia por a culpa no tal do aquecimento global, pois com o alto teor etílico a bebida estaria evaporando rapidamente mas, apesar do verão, tem por aí uma outra moleca – la nina – conhecida como o “ar condicionado de Deus” mas que na verdade deve ser outro bem-te-vi em uma forma mais extravagante de disfarce, e não deixa o verão ter o calor de costume, aí não tem jeito, é a bem-te-vi mesmo, quem está ingerindo meu ouro.
Quando ela não era invisível eu consegui identifica-la por duas vezes. Na primeira estava travestida de pomba e minha filha sofria com a dita cuja, pois todos os dias ela vinha cedinho acordar minha bela Rose e depois ficava bicando-lhe os pés até ela lhe dar comida. Só não funcionou melhor porque nós tínhamos um vizinho médico que tem fobia a pombos, diz que é hospedeiro de muitas doenças e ordenou a um empregado a execução do pássaro duplo. Deste crime não fui testemunha, portanto pode ser que ela, esperta e desconfiada como são os agentes secretos, além de muito duros de morrer, tenha mesmo é fugido ou se transformado em um inofensivo siamês que logo apareceu no outro apartamento.
Como eu já era portador de má fama, natural e injustamente, levei a culpa, pois alguns dias depois houve uma invasão de minúsculas formigas e tudo que foi bem-te-vi sumiu da rua. E ainda, para corroborar minha teoria, elas viviam dançando na boquinha da garrafa, bebendo minha cachaça, é claro, mesmo esta estando sempre ao lado de outra com mel, mas que nunca era molestada. Tive que contratar um dedetizador e o miserável chegou com umas, segundo ele, novas tecnologias. Aplicava injeção nas coisicas e me nomeou ajudante de enfermagem. Minha tarefa: pegar uma por uma as formigas e localizar suas minúsculas bundas para que ele aplicasse a porção mágica. Como sou rupestre devo ter falhado na execução de tão nova tecnologia e tive que pagar sem que os passarinhos/formigas morressem. E aí quem morreu mesmo foi o fulano pois eu, puto da vida por ser roubado e feito de babaca, roguei-lhe uma bela praga, daquelas que o maestro Jobim chamou de “praga de madrinha”, que não tem perdão. Foi vingança de ansioso, não deu tempo o tecnólogo subir o morro inteiro, bem antes disso foi atingido com meio vidro de azeitonas no meio da cara. Foi direto pra Maruípe, não sei se obra de um agente secreto ou de traficante de drogas, ou ainda, um disfarçado no outro. Roubando a frase de meu amigo Rodrigo Souza: comigo é assim!
Eu sempre soube que com injeção se dá é remédio, e as formigas também pensam dessa forma já que rapidamente se multiplicaram e ficaram bem mais fortes, e aí sim, já dava pra admirar as bundinhas delas. Contratei um novo mata-formigas, mas antes dele começar seu trabalho, fui logo apelando pra ignorância e contando como morreu o anterior. Ele deve ter acreditado, pois há vários anos não se encontra uma só formiga, nem pra fazer remédio.
Meu inteligente leitor já sabe onde está a cigarra, né? Minha falecida mãe deve ter lido La Fontaine, com certeza às escondidas, pois ela dizia que não sabia ler, embora tenha vivido 90 anos sempre aprendendo. Mais um disfarce, e bem duradouro.

Stênio, na idade da pedra lascada.

sábado, 9 de novembro de 2013

UMA DAS MINHAS MAIS BELAS PÉROLAS

BERNADETH, QUE NOS MOMENTOS MAIS DIFÍCEIS ESTEVE SEMPRE AO MEU LADO, E SEU OMBRO MUITAS VEZES FICOU BEM MOLHADO. ME RECONDUZIU À VIDA, QUANDO EU PENSAVA QUE NÃO MAIS A TERIA.


Leoa Saciada
Ela rugiu alto durante muito tempo
Amedrontou inimigos, afugentou feras
Mas sua língua áspera que lhe servia de arma
Muito útil, para lamber a cria também era.

E nesta dualidade, entre a força a e leveza
Encontrou o equilíbrio, como um regalo
Sem muitas oscilações tocou a sua vida
Sabendo o que queria e como pegá-lo

Com o tempo suas garras ainda afiadas
Só queria aos semelhantes, acariciar
E aposentou também os seus rugidos
E assim Bernadeth foi psicologar

Penetrar não mais na carne, mas na alma
Daqueles por quem fosse interessada
O pão não lhe custava mais o suor do rosto
Ela, finalmente era, leoa saciada.

Agosto de 2013.

sábado, 26 de outubro de 2013

REFLEXÕES (?)

MEMÓRIAS DA BELA VISTA - FORTALEZA

Reflexões sem Nexo

Cachorro late, filho chama, carro buzina, mosquito azucrina, forró forroa e Célia incólume, impassível colosso. Posição justificada plenamente pela função que exerce – estagiária/aprendiz de santo. Inventa de me nomear substituto e no primeiro dia ameaço abandonar o posto. Receio que minha vocação não é muito grande. Após idas e vindas e muita insistência, e, me parece, até um pouco de chantagem emocional, aceito exercer meia função e fico imaginando que se eu cumprir direitinho minhas obrigações devo virar metade santo e metade... Bem já se vê aqui de que tamanho é realmente minha vocação. A função é exercida na calorenta câmara fria de um leito de morte. Assusto-me e me arrepio todo com apenas uma suave brisa. De vida. ”Faz escuro mas eu canto” (Tiago de Mello).
Chega Airton e me traz um caudaloso rio do que Rubem Braga chama de “a essência do sofrimento humano, a traidora inconsciente dos segredos d’alma”: a lágrima. Ganha, na futura próxima visita a proibição de chorar, pelo menos na câmara. Terá, como para os fumantes, uma área restrita ao choro.
Célia faz escola e nenhum dos semi-estagiários larga uma só essência da traidora, mesmo com o risco de serem tachados de insensíveis. E a capacidade que possui o ser humano de ser insensível me deixa perplexo. Mergulho um pouco em meu interior e imagino quantas vezes já não dei esta mesma sensação a tantos outros. Tenho exemplos palpáveis na família em nível bem alto. Felizmente a tolerância está sempre por perto e não por acaso atende por uns nomes femininos. É Paula, Solange, Célia...
A alma vibra e esbarra em um soluço, ainda não será desta vez que serei traído. Tinta, bendita tinta, cabe em todo lugar e tudo em ti cabe. Paremos, ou pelo menos, façamos um intervalo, senão a tinta enrosca em tudo e ao invés de texto teremos um Salvador Dali, ou se ainda texto, teremos personagens de Ionesco. Surreal, bastante su.
Por canais ultramodernos chega-me de última hora a notícia de que Fuleiragem está fuleirando. Evidente que é o esperado e compreensível, no atual contexto, mas...
Raimundão, Raimundão, tu e o Drumonnd tínheis razão, e isto é uma (pobre) rima, não uma solução. No meio do caminho tinha um monte de pedras, e eu não sei poli-las, como João Cabral, de quem, aliás, fui tentar ler alguns versos e esbarrei em várias pedras que não me pareceram nada buriladas. Muito pelo contrário, eram mais o cascalho do semi-árido no sol seco do meio-dia. Como eu já estava cheio das misérias psíquicas, não suportei a descrição das físicas. Que descanse em paz e me aguarde. Amanhã mesmo estarás comigo no Paraíso.
Eu deveria estar plantando milho e não caçando pérolas, certamente teria o meu presunto garantido. Não devemos jogar grãos aos homens.
O que não rendem duas semanas na Bela Vista! Os traumas adormecidos vêm à tona e o mundo torna-se novamente meu devedor – irreal, é certo, mas não na minha ótica. Me deve sim, e exijo pagamento em vida, quero alguma vida. (Não me confundam, quero vida, não sangue.)
Na Escola Aberta busco alguma vida. Encontro sangue: estupidez, insensibilidade, incompetência. A essência da miséria humana em uma só pessoa, não poderia esperar mais. Maravilha. Eu quero a Bela Vista! Quero a câmara de sofrimento e dor, não quero vida. Desisto do mundo – sofro de SUDBV – Síndrome Unipolar Depressiva da Bela Vista. Esta doença foi descoberta recentemente e afeta cinco em cada quatro pessoas nascidas ou que viveram na Bela Vista e que, após saírem, por qualquer motivo tiveram que voltar lá. Não está bem claro mas, segundo algumas pesquisas a cura só acontece com 50 a 60 anos de distância do tal Bairro e com pelo menos uma sessão diária de psicoterapia, com direito a uma folga no último domingo do mês. Como a pesquisa é recente não se sabe ainda o percentual de sucesso mas as previsões não são nada otimistas.
Dizem, e minha depressão não deixa que eu acredite nisto, que tudo que nos acontece de mal tem um lado bom. No caso específico de minha volta à Bela Vista pode ter ocorrido algo bom. É que, pelo menos lá, voltei a ler. Eu que começara no mesmo local e pelo mesmo motivo: fugir do mundo, esquecê-lo já que ele não me esquece. Não tenhamos ilusões, não será um recomeço. Parece até que reli Mágoas de Augusto dos Anjos, pois estou destilando-as por todos os poros. Faz parte. C’est la vie.
Cachorro gane, filho reclama, carro azucrina, mosquito ferroa, forró zoneia e Célia em seu mosteiro particular zen-budista. Não é com ela, já deve estar em um segundo estágio, aprovada com louvor no primeiro, e eu na minha metade, tentando, a todo custo, ser reprovado. Minha outra metade de estagiário também tem vocação: não falta ao serviço puxa o saco da chefa, poderia até assumir minha parte e, pensando assim, cometo um abandono de posto sem aviso prévio. Saí voando para o aeroporto Pinto Martins, com ou sem passagem.
Cai um avião com vazamento por todos os lados, até o humano. Eu também fico me vazando, de medo. Continua fazendo escuro, e eu não canto, nem cito Drumonnd ou João Cabral.
Airton vai a Ouvidora-Mor (D. Maria Nonata dos Anzóis Pereira) e reclama que a área restrita às traidoras lágrimas está por demais restrita. Diz ele que é dentro de um banheiro, com a porta fechada e com a recomendação expressa de só chorar trepado no vaso. Pelo menos não precisa gastar água. Cruel. Com certeza os laureados cientistas da Bela Vista descobriram que o choro é infecto contagioso e causador de várias doenças pulmonares, até para o chorão passivo. Estou me superando, as reflexões estão cada vez mais sem nexo, e nem sei se merecem o termo reflexões, muito chique, pedante mesmo. Quem sabe pouco, logo diz tudo que sabe: eu já disse no título. Definitivamente paremos! Pelo menos em uma metade o título é bem adequado.
São 35 minutos da madrugada de 11 de agosto (mês de desgosto). Espero que o dito popular não seja correto pois ainda falta muito para terminar o bem aventurado e até aqui ele me tem dado bons dissabores. Se Julho já me trouxe a viagem a Fortaleza e o conseqüente aumento da depressão, neste eu esperava que ela desocupasse o barraco mas infelizmente não aconteceu. Fiz algumas mandingas, briguei com minha paciente esposa e com a psicóloga, mas a moleca continua firme e forte. Vou ter que mover uma ação de despejo e rezar pro juiz não ser do mesmo time que ela. Mas, como eu disse, o mês não tem sido nada bom e quem foi ameaçado de despejo (ou seria de morte?) fui eu. E por duas vezes. É, como dizia o grande filósofo Paulo Rocha, eu devo estar rezando pouco. Falando em Paulinho e sua filosofia não seria justo deixar de citar sua maior pérola: se é, é. (Ah! Finalmente achei uma pérola.) Certamente estas são as quatro letras mais sábias que a humanidade criou ou conheceu. Creio até que não existe Nobel de Filosofia porque não sobraria para ninguém. Mais um fuleiro e sua tolerante Vera e, falando em Vera, será que eu esqueci alguma?
Por algum tempo fiquei imaginando se o mês estaria mesmo ruim ou seria somente eu praticando o meu esporte preferido – a reclamação – mas na seqüência me falta luz (física, pois a outra não a tenho há tempos) e com a queda da força me vão também a Internet e a TV a cabo que não voltam tão logo quanto a outra. Pelo menos a reclamação desta vez tem algum motivo já que no mesmo dia eu falara para a terapeuta que moro no computador e durmo no sofá, em frente à televisão. Quem não tem lugar onde morar ou, pelo menos para ter os seus pesadelos favoritos, tem direito a uma reclamaçãozinha, né? Se não tiver, vamos tentar conseguir através de uma emenda constitucional ou, quem sabe, incluir na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ficaria lá em belas letras garrafais, no artigo primeiro: TODA PESSOA TEM O SAGRADO E INALIENÁVEL DIREITO DE RECLAMAR DE TUDO E DE TODOS. E no parágrafo único: este direito não termina onde começa o do outro. Como diria João Vitor, meu filho de 11 anos: irado.
Ser uma pessoa boa é suficiente, entretanto esta pode ser insensível. Todavia o contrário má/sensível não existe, e assim o primeiro pode dar-se ao luxo de ser fuleiragem, muito embora, é claro, não seja o recomendável. Que se há de fazer, a perfeição deve existir sim, mas vive bem escondidinha e buscá-la deveria estar sempre presente nos pensamentos de qualquer um, mas, o característico do homo sapiens(?) é se fixar em pequenas coisas, esquecendo, na maioria das vezes, o que é realmente essencial, maior. Deformação de foco, que é uma das minhas especialidades.
Cachorro morre (de sarna), filho some (namora), carro enguiça (barulha), mosquito cala (no tapa), forró acaba (em briga). Célia tem dois olhos, dois ouvidos, uma boca. Quase tudo vê, muito ouve, pouco fala. Limpa banheiro, troca fraldão e até, às vezes, dorme. Começou um novo dia.

Stenio, num bom período de depressão entre julho e agosto de 2007.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

MÁGICAS DAS VELHINHAS

RUBEM BRAGA DIZIA QUE SEU MAIOR SONHO ERA ESCREVER UMA CRÕNICA EM QUE O LEITOR RISSE DO COMEÇO AO FIM, OU QUE CHORASSE DE RIR. EU SEI QUE NÃO CHEGUEI NEM PERTO DESSAS DUAS COISAS MAS FIQUEI MUITO SATISFEITO QUANO MINHA LINDA NEGA, ANA PAULA, DISSE QUE RIU MUITO, QUANDO LEU, AINDA SEM EU TER TERMINADO. TAMBÉM NA PUBLICAÇÃO ELA TEVE SUA PARCELA DE CULPA, POIS PEDI PRA ELA ESCOLHER UM TEXTO DE AMOR E OUTRO DE HUMOR, E ELA ESCOLHEU ESTE E "UM CARINHO, UMA ESTRELA, UMA ROSA".

Três Santas, Três Mágicas


Primeiro foram as medalhas ganhas no jogo de xadrez e doadas à minha mãe. Em uma viagem de Fortaleza para Vitória elas foram roubadas durante o vôo, de dentro da mala trancada e ainda no compartimento de cargas, provavelmente nas alturas. Foi coisa forte pois mesmo ela rezando uns três terços por dia as profanas medalhas não apareciam. Necessário foi voltar a Fortaleza na esperança que elas reaparecessem durante o vôo à custa de reza durante todo o trajeto, não sei se o objetivo era mesmo este ou somente este, mas o fato é que as sumidas, como eu já disse, eram profanas e, provavelmente, quem as roubou também era, e nenhum se deu por achado. Nova apelação, desta feita pra minha cunhada Célia (bela Célia), que também rezou alguns terços, fez uma promessa para padre Cícero mas, depois de três dias sem obter resposta, lembrou que o santo Papa não tinha autorizado nosso santo padim ser santo. Aí esculhambou geral e transferiu a promessa para uma tal Nossa Senhora das Medalhas Roubadas que eu nem sei se existe, mas ela, Célia, que entende do assunto, jura que sim. Como reforço contratou um anjo que tem fama de detetive para auxiliar nas buscas. Não deu outra, mais três dias e lá estão as ditas cujas bem no fundo do guarda-roupa onde a velhinha costumava escondê-las dos netos mais travessos. É claro que quem roubou, não agüentando tanto santo e reza juntos, devolveu, e com medo das peraltices, guardou onde os moleques não achassem e recaísse a culpa sobre ele, arrependido larápio.
Da segunda vez a eternidade. Peraí, peraí, eu não sou poeta e nem sequer sei citá-los, então não teve nenhuma eternidade, apenas deve ter passado mais tempo sem que o causo fosse solucionado. É que dessa vez sumiu uma panela e sabendo da devoção das velhinhas, (esta era de outra), a tal panela, que certamente queria permanecer sumida, levou junto uns santos. Ai é que a aflição foi grande, pois se a panela era de estimação, os santos nem se conta. Procura de cá, caça de lá o mordomo levou a culpa. Esclarecendo: mordomo de pobre é uma negra, bela, mas que, de tão pequena, parece subnutrida, tem uns 14 anos, dois filhos e ganha duzentão por mês. É, não vamos crucificar a querida Nonata, pois com este perfil a mordoma tinha mesmo tudo para ser culpada. Mas, esquecendo estes detalhes e lembrando da situação anterior, foram direto a Santa Célia. Ocorre que esta parece que já estava devendo muita promessa e não quis se endividar mais ainda. Eu lembrei imediatamente da santa das medalhas, mas alegaram que uma Nossa Senhora das Panelas não deveria existir e por aqui se acaba o meu repertório de soluções detetivescas e, apesar do repúdio ao preconceito, aceitei (na moita, como os demais) a culpa da mordoma. Caso sem solução? Negativo, foi só esquecer, precisar tirar alguma poeira e lá estava a panela de e com todos os santos escondida no mesmo fundão, só que de outro guarda-roupa. Eu que tenho um bem-te-vi de estimação e xingamentos pus a culpa nele já que o mesmo havia sumido durante todo o período.
Quando achamos que a estória tinha terminado, somem, ao mesmo tempo, dois pentes das velhinhas. Ora, não é que para me azucrinar eu tava lendo, de Paulo Mendes Campos, Meu Reino por um Pente, que trata com maestria do assunto sumiço de pente. Só que eu não tinha, como Ricardo III, um reino para a troca, muito menos dois. Apelamos novamente para Santa Célia Limpa Poeira, mas, desta vez, a limpeza foi inútil. Eu que não tenho nada de devoto e com tanto some-some e ainda, não querendo me repetir e culpar o meu pássaro favorito, lasquei tudo nas costas de um gnomo e só de sacanagem ensinei às velhinhas a oração de São Longuinho. Falou que é oração, não importa para qual santo, elas rezam na hora, e desta vez, esqueceram um pouco a birra existente entre as duas e como era para o bem da nação, rezaram juntas. Na hora de dar os três pulinhos como manda a reza, encrencou, pois nenhuma delas pula mais nada. Parece que o dito santo é bastante forte, pois quem pulou, ou caiu, foi o gato da vizinha e logo bem dentro do cesto de lixo. Quando alguém foi tirar o bichano, de longe avistou os dois pentes que por terem alguns dentes quebrados, um santo qualquer mais piedoso (Célia?) os jogara no devido lugar.

Stenio, durante 14 (longos) dias de julho de 2007, na Bela Vista, Fortaleza-CE

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Prisioneiro do Amor

COMO VENHO FAZENDO, SEMPRE QUE PUBLICO NA OUTRA PÁGINA (GOOGLE+), POSTO AQUI TAMBÉM.



REFÉM

Se tens o coração aberto para amores, paixões, prazeres os mais diversos, mantenha-o assim, ou melhor, dilata a abertura se puderes. Pode ser que sofras algumas desilusões, mas no balanço de perdas e ganhos certamente não ficarás no prejuízo.
O meu vive trancado com sete cadeados, cada um com sete chaves, tem grades de proteção ao seu redor e ainda possui segredo (de banco central) que nem eu sei qual é, e quem sabe jura que não revela, nem sob tortura.
A porta única de entrada e saída tem muitas travas, as fechadura e dobradiças são emperradas pois não é permitido o trabalho de manutenção. As chaves da porta e dos cadeados foram jogados ao mar, em noite de tempestade, durante um passeio pelo Triângulo das Bermudas.
Se estou infeliz com a situação? De forma alguma. É que quem aprisionou o fez de forma sutil e carinhosa, foi chegando devagarzinho e construindo ali os sólidos alicerces de sua moradia. Hoje diz que não respeitaria qualquer ordem de despejo, ainda que viesse da Corte Internacional de Haia. Quanto a mim, nem me passa pela cabeça imaginar tal coisa mas o velho e frágil coração cada dia reclama mais de sua crônica doença: Síndrome de Estocolmo. É louca e totalmente apaixonado pela seqüestradora. E para que a prisão seja de segurança máxima, existem ainda umas correntes, ligando as aortas, minha e dela, (con)fundindo nosso sangue, e mais umas algemas, mas estas ela jura que são só pra brincadeirinhas.
E a sádica carcereira todos os dias soma e multiplica o tempo que falta para a libertação, em uma conta que só ela entende, e o resultado não poderia ser outro: infinito.
Que assim seja, até que a morte nos separe, ou mais, que atinja o pós-morte, mas o importante mesmo é que seja eterno...enquanto dure.
Para Ana Paula
Junho de 2008
Stênio.

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domingo, 22 de setembro de 2013

DOIDOS

ESTE EU PUS EM "TEXTOS DE HUMOR" MAS SEMPRE QUE ENCAIXAR VOU POSTAR AQUI TAMBÉM, POIS SÃO FREQUENTADORES DIFERENTE E AQUI A GENTE SABE O RETORNO, QUER SEJA EM COMENTÁRIOS QUER SEJA SOMENTE PELA ESTATÍSTICA. SEGUE COM UM ABRAÇO ESPECIAL AO AMIGO BETO ACIOLI, DE PERNAMBUCO, LUGAR CITADO NO TEXTO.


Meu Universo II – Universo Paralelo – Duro de Ler II


Quando tínhamos no Estado as semifinais do campeonato brasileiro de xadrez os papa-gerimuns (riograndenses do norte) sempre nos mandavam um simpático velhinho que por sinal jogava muito bem e normalmente segurava uma das vagas para a final do campeonato. Certa vez, iniciou o torneio jogando com o Tenilson e este, como tem feito com outros bons jogadores, arrancou-lhe um empate. Seu Nery se surpreendeu com o resultado, saiu balançando muito a cabeça e um sacana, de gozação, foi perguntar se o moleque usara as peças vermelhas. Aí quem ficou mesmo vermelho foi o velhinho que, nada simpático, saiu balançando mais ainda a cabeça e resmungando que não jogaria com as tais peças. Eu não jogo, eu não jogo, eu não jogo! Como disse comigo uma ex-colega de serviço, parecia menino pirracento.
Desta vez vou falar só de um filósofo mas com três filosofadas. O nosso duplamente competente Rogério Zanon, que pouco fala mas quando o faz nos brinda com boas citações ou criações próprias. Sempre joga nas primeiras mesas, mas alguém caiu na bobagem de perguntar o que ele tava fazendo na mesa um, e ele respondeu na bucha: olha, eu não fiz nada pra estar aqui, só não sei o que vocês fizeram para estar aí. Estas são quase as mesmas palavras de Péricles, governante ateniense, após a segunda invasão peloponésica. Em outra oportunidade ele, achando que os jogos tinham se encerrado, entrou na sala assobiando e um colega que já estava muito macho porque não conseguia vencer um capivara, subiu nas tamancas. Rogério, com aquela calma toda, sussurrou: foi um passarinho! Numa terceira vez ele, não encontrando gente ou canário famosos para citar, atacou de alfaiate mesmo, que também deve ter lá sua sabedoria: peão é igual a botão de calça, quando cai um, cai tudo. Que que tem o c. (chadrez) com as calças. Dizem que alguém tentou definir sua corrente filosófica e esbarrou num trava-língua: ornitopericlianoalfaiatista. Isto sim, é palavrão, e não aquele citado antes e que só possui dois caracteres.
Mas falemos de espetáculo e não é nenhuma partida que ganhou prêmio de beleza. O show foi por conta de uma colega que lá em Pinheiros inventou de imitar todo mundo e cada um tinha um trejeito, uma frase, uma forma peculiar de enfrentar o mate iminente. Os mais bem humorados riram, mas uns poucos não ficaram nada felizes. Pena, pois ela, educada e respeitosa como é, encerrou prematuramente a carreira, e olha que esta parecia bem promissora, eu já tava até pensando em faturar algum, como agente artístico. Arte e loucura na maioria das vezes andam de mãos dadas, e nem sempre são bem compreendidas. Faz parte do... (Cazuza).
Certa vez eu estava no INSS, fazendo perícia, e reconheci um velho parceiro que não via há muito tempo. Como o lugar já me tirava do sério fingi não vê-lo, mas por coincidência um ou dois dias depois encontrei-o em uma pacífica rua e, para chamar sua atenção e no intuito de me desculpar, freei o carro bem próximo dele. Ele não me conheceu, saiu xingando várias gerações de todos os motoristas imprudentes deste mundo, enfim, tava pior que eu, passou facilmente pela perícia e eu tive um pouco mais de dificuldade.
Este mesmo colega, quando ainda trabalhava, era vigilante, ou como diz o Gatto, dormilante, e um dia lá pela madrugada acordou com um barulhão de meter medo, e meteu mesmo foi bala pra tudo que é lado até acabar a munição, quando então se trancou em uma sala e pediu reforço. Chegado o salvador reforço fizeram uma completa “varredura” terrestre e, não encontrando nada, um deles subiu ao sótão cujo forro fora consertado recentemente. Pisou em uma tábua mal pregada e despencou com forro e tudo indo parar no pronto socorro. À luz do astro rei (mesmo de quinta grandeza), descobrimos que o invasor era uma pilha de caixas, que mal arrumadas, despencaram, e agora estavam quase todas baleadas. Não se iludam que isto não é fruto da imaginação do autor, a realidade às vezes supera a ficção. Aconteceu mesmo e foi no almoxarifado do banco onde hoje trabalha meu amigo, de muita percepção e sensibilidade, Eduardo Fernandes. Voltando ao nosso kidmatacaixa, acho que na família havia uma falha no DNA de reconhecimento das pessoas, pois um irmão dele para quem eu sempre dava um trocado para comprar pão ou cigarro, certa vez, eu já com o dinheiro na mão, ele me jogou um belo paralelepípedo. Este é literalmente maluco de pedra.
Logo que comecei a mover as peças e não digo aprender porque não aprendi até hoje, tinha um companheiro do mesmo nível de jogo mas bem acima na escala Pinel. Nascera em Exu, Pernambuco, terra do saudoso Luiz Gonzaga e, como este, tinha uma enorme lua. Ocorre que quando a lua dele estava cheia, metia-se em um buraco que cavou no quintal de casa (dizia que era seu bunker) e ali mesmo recebia as visitas, tomava seus birinaites e, às vezes, até jogava um xadrezinho, se alguém topasse sentar na porta, ou melhor, na boca do buraco. É mole ou quer mais? Não, não quer, né? Porque tem sim, mas para mim chega. E não se preocupem porque não teremos um Duro de Ler III, que certamente seria ruim de matar como foram os filmes. Lembrete a um possível leitor desavisado: não se envergonhe de ter lido, pois as películas em referência, apesar da crítica, foram sucesso de público.

Outubro (vermelho) de 2007.

sábado, 31 de agosto de 2013

VOOS DIVERSOS

Este eu pus em outra página mas como sei que muita gente não frequenta as duas, vou por aqui também.


Homens Voam, Pássaros Falam

O Campeonato Estadual de Xadrez, como de praxe, inicia-se por Vila Velha (ES), e colegas pedem para eu fazer um pequeno registro. Eles dizem que parece não haver nada interessante para se escrever, o que já ouvi outras vezes e, confesso, até pensei, em casos semelhantes, mas estes foram resolvidos a contento. Com a parca experiência adquirida no ramo, comecei a dividir minha atenção entre o tabuleiro e os aparentemente insignificantes acontecimentos ao redor, que entre outros destaco:
1 – A Imprensa: avisada pelo bom e abnegado trabalho da Edna, comparece, e lá estamos nós em duas redes de televisão. É claro que eles pensaram que o jogo era de futebol e só nos filmaram pra não perder a viagem. Será maldade minha achar que foi um erro induzido? Ò Senhora Imprensa, se algum dia um seu representante me ler, o que muito duvido, mas que me honraria, diga-lhe que é tudo irreverência e para ser presunçoso, irônico. Que volte outras vezes, mesmo que enganada(o), quem sabe, já que existe o campinho, a gente bate uma bola.
2 – Personagens: é sobejamente conhecida a gentileza de Namyr, e na entrega da premiação lá está ele nomeando os títulos de campeão de cada um. Quando chega minha vez de receber a medalha de décimo-último ele, não encontrando qualquer título pra me elogiar, me sapecou um “campeão das crônicas”. Bortoloso, outro que no convívio é a gentileza em pessoa, tanto que nos levou com excesso de lotação em seu carro, já no tabuleiro... Disse que não trocou as torres com o Edvaldo porque as dele, Bortoloso, eram ativas. Ah, tá, a vantagem era de apenas seis peões! E por último, como a vez é dos gentis, tá o Edvaldo, na mesma partida, justificando o não abandono: ora, eram tantos peões que seria fácil afogar o rei.
3 -- Partidas: além da citada anteriormente de mais duas apenas posso falar, pois, infelizmente, vi poucas, porque algumas das minhas demoraram bastante. Em uma o Mário Arnaldo deu um bonito nó tático/estratégico no Anderson e, com poucas peças no tabuleiro, deixou bispo e cavalo adversários algemados e vigiados por um carcereiro nanico, conhecido como piculito. En passant: lembremos que o mesmo Anderson acabara de bater o Namyr, (forte candidato ao bi) ajudado por forças intraterrestres, descritas no próximo item. Na outra partida ocorre o bizarro mate da covardia onde a cavalaria de dois exércitos e mais alguns próceres da Igreja cercaram impiedosamente um rei que nem roupa tinha. Certamente foi a vingança antecipada do velhinho que depois apareceu com o guri (simpático e persistente Fernando) na televisão sob o título: xadrez para todas as idades
4 – As cabeças de burro: aqui eu tive que usar uma habilidade especial e ainda fazer um pequeno vôo para conseguir a informação. É que a fonte, que me deu autorização escrita, quero dizer, cantada, para divulgar seu nome, foi um tagarela casal de bem-te-vis, e traduzir do idioma deles pro nosso não foi nada fácil, mas aí vai o que eles me contaram. Logo após o Walter ganhar o primeiro torneio local eles notaram uma proliferação de minhocas e outros pequenos insetos no campinho de futebol onde procuravam alimentação. Bica pra cá, cisca pra lá, descobriram que o adubo provinha de várias cabeças de burro enterradas e é por isso que ninguém até hoje conseguiu ganhar o torneio duas vezes. A exceção deveria ser o próprio Walter, mas os burros, como tais, não sacaram bem a estória. Vá-se entender cabeça de burro! Comentário do mandingueiro ao saber da inconfidência ornitológica: eu deveria ter cometido crime ambiental e enterrado cabeças de inteligentes golfinhos, ou quem sabe, até de bem-te-vis!
5 – O gol de placa: para não desapontar a televisão voltamos ao futebol e denominamos assim a bela parceria efetivada entre a Federação de Xadrez e a Associação de Moradores, para a realização de eventos e implantação de uma escolinha do esporte. (De xadrez, não futebol.) Com o ótimo espaço físico existente e o interesse demonstrado pelos parceiros, certamente teremos ali, em pouco tempo, o centro de excelência que o Estado tanto clama.

Texto psicografado, em boa parte, durante um breve(?) período de abdução.

Stenio, com a colaboração de um ET na tradução.
Março de 2007, calendário terreno.


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Passarinho Raivoso

Acho que o urubuzinho ainda está puto comigo pois nada aqui quer funcionar. Dois computadores, o telefone, chuveiro elétrico e até eu, mas isso é coisa mais antiga.


Praga de Passarinho

Como sou muito bom no ramo de rogar praga, logo me vieram à mente vários títulos para este texto. Praga de Urubu, que no Ceará, minha terra, dizem que é muito forte, tanto que faz o de baixo cagar no de cima. Praga de madrinha que de acordo com Tom Jobim, não tem perdão, pega que nem chiclete em sola de sapato. Praga de turco, que certa vez fui vítima de uma, e como turco gosta de economizar em tudo, ele aproveitou e jogou logo em dois. Tive que utilizar meus santos fortes, e me livrei da bendita, e aí o outro alvo caiu sobre a minha mesa, quebrou esta e a bunda, foi parar no hospital. A mesa quebrada não satisfez o praguento e à noite minha parte ainda estava em vigor, aí um outro caiu no meu lugar indo parar no mesmo hospital. Praga de baiano, que normalmente vem acompanhado de uma boa mandinga, e aí quem se livra? Há algum tempo tivemos aqui na Caixa Federal do ES um gerente regional muito chato que desagradou a bastante gente. Juntamos eu e mais meia dúzia de bons de praga mas, o melhor que conseguimos foi mandá-lo para a Bahia. Eu fiquei a duvidar de meu poder pragatório mas, menos de um ano depois o disgramado ganhou uma de baiano. Resultado: perdeu a função e como prêmio foi atender no balcão de uma Agência onde o gerente era um inimigo seu. Acho que a minha, como a do turco, ainda estava em vigor.
Com tudo isso, por que prevaleceu então Praga de Passarinho? Ora, se eu pusesse o nome de Praga de Urubu, ele poderia alegar preconceito de cor, pois é meio escurinho; se fosse de madrinha eu estaria sendo injusto com estas que normalmente são boas e meu passarinho não o é; de turco, aí seria injusto com ele pois turco não dá nem bom dia de graça e ele me dá: faz muitos filhos, que eu vendo para os mercadores, como os turcos fizeram com José. Então só restava Praga de Baiano e quando ele chegou aqui era mesmo meio baiano pois só queria saber de cochilar, tanto que ganhou o nome de Professor, em homenagem a minha mulher, que ensinava na escola pública, acordava muito cedo e passava depois o dia dormindo. Mas ele passou de fase e hoje é bem esperto: pra fazer filho e rogar praga!
Passadas as preliminares, e como não vai ter meio de jogo, vamos aos finalmentes. Que praga braba foi que este moleque me arranjou? Depois de 13 (tinha que ser 13?) anos de briga de morte com a Caixa Econômica, eu finalmente venci um round, e recebi uns trocados. Rapidamente minha nega inventou que eu tinha que tirar passaporte, e nem vou dizer pra onde ela quer ir, pra não dar azar ou ganhar mais uma praga. Fomos então tirar o tal do passaporte e tinha que passar primeiro no computador. Passamos e ele, nem sempre tão inteligente, nos mandou para a sede da Polícia Federal em São Torquato, Vila Velha, na divisa com Vitória. Lá pegaríamos somente uma informação mas, os bem mais inteligentes humanos nos mandaram lá para o Shoping Vila Velha, que é no outro extremo. Eu já quis voltar dali, mas minha paciente mulher insistiu e lá fomos nós. Conseguimos a informação mas, mas, mas, eu teria que tirar uma nova identidade porque a minha é de 1969 (será que não vale porque foi emitida pela ditadura militar?). Aqui eu zuretei e falei que não ia mais pra lugar nenhum, que ela fosse com quem quisesse, mas ela não se deu por vencida e na calada do dia, convocou a Angelita, que com seu jeito manso e pidão sempre me convence de tudo. Fui eu junto com ela, Angelita, que logo inventou que também precisava de identidade. Eu já na minha quarta idade teria direito a atendimento prioritário mas nem quis, pois teria mesmo que esperar por ela; mal sabia eu que a praga do Professor já começava a fazer efeito. Angelita rapidamente foi atendida e eu seria o próximo, mas este próximo não estava nada próximo e lá estamos nós esperando um tempão. Ameacei novamente vir embora e Angelita foi reclamar. Resultado: meu nome não constava no computador e lá me fui pra fazer tudo de novo, e para completar minha raiva, assim que terminei, acharam a primeira ficha. Como já não tinha ninguém no posto fui direto tirar as digitais mas no curto espaço percorrido dei uma olhada no preenchimento e lá estava como minha mãe, minha ex-mulher, da qual me separei há quase vinte anos. Voltei para fazer a correção e a pessoa tinha saído, parece que teve uma dor de barriga, e nem vi se voltou. Uma outra pegou, corrigiu(?) e mandou eu sujar meus dedos. Fiz, mas rapidamente ela constatou outros erros e lá vou eu novamente na minha via sacra. O pequeno erro agora era que na minha certidão de casamento constava minha mãe como pai e a ex como mãe. E eu imaginando que o casamento gay fosse coisa recente!
Afinal, porque descobri que era praga do passarinho? Quando chegamos da primeira viagem, onde não aceitaram minha identidade, ele me irritou com alguma coisa e eu o chamei de “carteira de identidade falsa”, e na viagem seguinte, as minhas três ou quatro é que eram falsas. E com efeito retroativo, pois até a certidão de casamento, feita há mais de trinta anos, também estava ruim. Tô achando que, pelo alcance, podia ter chamado esta de praga de urubu, e daquelas que pegam em cristão!
Agosto de 2013.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A LUTA PELO PÃO

Este texto teve que ser submetido à censura porque envolve meus outros irmãos. Foi aprovado com a ressalva de que o menino teve uma pequena ajuda pra comer as cem bananas, de outro irmão, Ernandi. Eu já imaginava pois os dois só andavam juntos, então um não ia deixar o outro com fome. Pus tudo na conta do Piunga porque além de ser muito pequeno era também barrigudinho, cearense típico, pelo menos da época.


Sofridas Refeições

Vez ou outra se vê em filmes as pessoas fazendo orações em agradecimento pelas refeições e eu costumo relembrar algumas das minhas, que até tiveram reza sim, e como os caminhos de Deus são misteriosos, pode ser que as preces tenham sido atendidas, mesmo que não as minhas. E também como dizem que Ele escreve certo por linhas tortas, então deve estar escrevendo muito pra mim, porque quase todas minhas linhas são tortas e até meu corpo.
Nas refeições, eu rezava sim, mas era pra reza acabar logo e eu poder saciar um pouco da minha fome. Nem sempre eu tinha sorte porque a refeição me era dada por um tio carola e ele rezava um terço todo e até mais de um, se a ocasião fosse especial.
A missa dominical era bem cedo e minha mãe me obrigava a ir, então eu saía em jejum (embora esse lance de jejum fosse algo meio corriqueiro pra mim), e certa vez desmaiei dentro da igreja. Como não lembro de ter caído, devo ter sido amparado pela multidão que me cercava. Deram-me água e um cafezinho e rapidamente me reanimei, mas ficou a vontade de cair outras vezes, creio que só não o fiz porque sempre fui muito ruim para representar qualquer papel que não seja eu mesmo.
Dos seis aos dez anos morei com parentes no semiárido, e sendo eles muito pobres, quase ou sempre só se tinha como alimento o feijão de corda, velho e todo furado, buracos estes que serviam de residência pro tempero: gorgulho. Lembro que uma vez eu bebi um caldo com óleo e achei delicioso. Pedi mais já que o caldo era mais farto, mas aí veio sem o óleo. Me lasquei! A emenda saiu pior que o soneto.
Eu era muito irritável e embora não costumasse provocar brigas, também não me provocassem, pois eu não era muito bom em evitá-las, e assim eu tinha uns fregueses, de bater ou de apanhar. Um destes era meu primo Flávio, que depois, não sei por que, virou Flávio Cachaça. Alguém ofereceu umas bananas, não muitas, para quem ganhasse uma briga entre mim e ele, e aí meu, com uma premiação dessas, não deu outra, ganhei de lavagem.
Um outro primo muito gente boa e considerado bom de briga, um dia me irritou com um motivo fútil qualquer, então não deu outra: tasquei-lhe uns socos e fiquei uma semana sem jantar, pois ele era filho do meu tio carola, lá do início, que me fornecia a alimentação. Não existe mesmo jantar grátis.
Meu irmão caçula era bem pequeno, tão que recebeu o apelido de piunga que é o piolho habitante do saco do mucuim (também piolho). Um dia alguém achando que ia se divertir ofereceu a ele um cento de bananas, mas ele tinha que comer todas, e ali mesmo, na frente da turma. Ora, se isso é nada, o menino comeu rapidinho e se tivessem oferecido mais uma duziazinha ele agradeceria.
Já em um outro tempo, vim para o Espírito Santo como empregado da Caixa Econômica Federal, exportado juntamente com uns dez colegas. Poucos meses depois foi o aniversário do Gerente Regional e os puxa-sacos organizaram um jantar em um dos melhores restaurantes de Vitória. Foi comida saindo pelo ladrão e da melhor qualidade. Eu com pena de perder tão bons alimentos, dei o maior vexame e comi um absurdo, matando de vergonha os conterrâneos. Na verdade eu só parei quando o garçom furtivamente tirou o meu prato.
Hoje, já quase civilizado, vez ou outra compro um filé mignon ou um salmão e digo que é pra me vingar dos tempos mais difíceis, sendo que este último, de quebra, me forneceria um pouco de antioxidante ômega 3. Ora, logo me veio a notícia que este peixe é importado de fazendas de criação do Chile e cheio de produtos químicos, que faz muito mais mal do que bem. Alegria de pobre realmente dura pouco, mas eu planejo também me vingar disso e vou subir a Cordilheira dos Andes, vou lá em uma dessas fazendas e comer salmão igual eu fiz no restaurante: até me roubarem o prato. Talvez eu não leve nem minha linda nega, senão ela efetua o roubo muito antes do que seria permitido por lei.
Agosto de 2013.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Dois Franciscos sem filhos

Eu tenho que fazer um túnel, como o euro, no Canal da Mancha, para poder ir ao posto de saúde, pois pela superfície estou tendo muito prejuízo. A compensação é que me rende um ou outro texto.


Chico e o Papa Francisco

Passo o dia quase todo no computador, e os médicos estão sempre insistindo para eu caminhar, o que detesto, principalmente quando é andar por andar, com o objetivo único de reduzir o sedentarismo. Ocorre que quando tenho meus compromissos de velhinho (leia-se: médicos, dentistas, farmácia, laboratórios...) aproveito para fazer as ditas caminhadas e quase sempre vou a pé. Numa destas, estava já atrasado e caminhava apressado e meio desatento aos acontecimentos periféricos, quando de repente senti um agarrão, daqueles que os seguranças costumam dar em um suspeito de agressão aos seus protegidos. Tomei um susto pois estava em frente ao famoso bar “Calçada da Fama”e o pessoal dali não costuma ter essa força toda, pois já estão bem corroídos pelo álcool. Ainda meio amarelo vejo que era o Chico, inveterado, mas que bebe pouco porque logo cai, razão de ter ainda alguma força, aliado ao fato de que já foi militar, dispensado, imagina por que...alcoolismo, é claro. Como antes de cair arranja bastante confusão, seus familiares pedem pra eu não dar a ele o dinheiro da pinga, o que normalmente faço com os outros. A razão do agarro tão forte, além, é claro, do desespero provocado pela síndrome, é que umas duas ou três vezes antes eu negara o trocado, atendendo, ainda que a contragosto, aos seus parentes. Fui mesmo aprisionado sem direito a sursis, só liberável mediante fiança. Como ele fez toda a propaganda para os papudinhos, eu morri em R$ 61,00 pra ser libertado, fiança cara e que com certeza evaporou rapidamente, com tantos cirróticos juntos.
Segui meu caminho e no consultório deparei-me com outra cena estranha: após me identificar através do porteiro eletrônico, o portão foi aberto e para minha surpresa entrei em um cubículo de uns 3m2 onde eu tive que me identificar novamente para ser aberto o segundo portão. Onde estamos né? E o pior, aonde vamos parar com tanta insegurança, pois certa e infelizmente o fundo do poço ainda está bem longe.
Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o Papa é chamado de demagogo e hipócrita por andar em carro aberto, abraçar alguns pobres e não usufruir dos luxos normalmente oferecidos aos poderosos em todos os lugares por onde passam. Por oportuno, anexo aqui um comentário atribuído a Jô Soares, sobre o assunto:

“Não sou católico, e nem estou defendendo o catolicismo, mas fico impressionado ao ver a quantidade de gente ofendendo o Papa, chamando-o de hipócrita por andar em um carro simples. Então ser sincero é o que? Andar de avião particular como o
“Bispo” Macedo? Dirigir carros milionários como o “Pr.” Silas e depois pedir oferta na TV dizendo que precisa desse dinheiro para a “OBRA”? Se hospedar em hotéis cinco estrelas na Europa com a desculpa de pregar como R. R. Soares? Por favor, se querem julgar olhem primeiro para os seus “paradigmas”, antes de acusar os outros”.

Vou esperar mais um tempinho mas, pelo andar carruagem, eu que também nem católico sou, vou ter que, se não gostar, o que é um exagero, pelo menos simpatizar com um argentino. Que seja o único, pelo menos vivo, pois Borges (Jorge Luiz) já papocou, e o Messi, bom, ele bem poderia ser espanhol e eu acharia o futebol dele fantástico.
Resumindo: primeiro eu pensei que estivesse sendo agarrado por um dos seguranças do Papa, depois, no consultório, comentei que eles deviam estar mais seguros do que o Pontífice, e finalmente, parece que o Santo Padre acredita mesmo na santidade, e deve ter rezado bastante, pois saiu ileso da violência e das afiadas línguas que lhe atiraram pedras.
Julho de 2013.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

To Be or Not To Be - Eis a Questão


Ser ou não ser tinha tudo pra titular este texto, caracterizando o existencialismo do escritor e até porque recentemente vi o muito bom filme "Anônimo" que fala de Shakespeare, mas a referência a Poeta/Não Poeta prevaleceu, talvez com alguma perda. Tudo bem, não se pode ganhar todas. Pelo menos, ainda que sem muito querer, voltei a dizer alguma coisa.


Escrever/Não Escrever

Depois do Poeta/Não Poeta, pequeno texto em que me referi a Castro Alves e ao fato de que poderia não mais escrever, é a primeira vez que “faço uso da pena” como diria meu conterrâneo José de Alencar. E o que me levou a molhar o bico, ou melhor, a tirar um pouco da poeira do teclado? Foi exatamente a não vontade de escrever e que me fez lembrar de um outro grande nome da literatura nacional, Carlos Drummond. Há bastante tempo li em um jornal, onde ele escrevia diariamente, que naquele dia ele não estava com vontade de escrever e assim o título do texto era: hoje não tem crônica. Pois bem, como quem não tem mesmo assunto, começou falando do tempo, já que era um lindo dia de primavera; falou do mar e do azul do céu, pois estava à sua vista o calçadão de Ipanema, ou Copacabana, não importa; falou do amor que langorosa e suavemente lhe inflava o peito; falou do doce gemido do recém-nascido, que talvez fosse o primeiro pedido de benção à mãe, deve até ter falado da paz, que sempre existiu muito mais em nossos pensamentos do que na realidade.
Falou de futebol, pois era domingo e logo mais à tarde, e logo ali, no esplendoroso exmaiordomundo, teríamos o divino coro de muitos milhares, gritando gol. Não me lembro bem, mas creio que também falou de algumas caras reminiscências da sua distante infância, lá na também distante (mas não muito) Itabira, que na sua opinião, expressa em outro momento pois neste não caberia, era “feita de ferro e melancolia”.
Falou bonito, como sabia fazê-lo, e disse do bom, como era de seu feitio; e isto porque não queria escrever, mas a verdade é que a escrita lhe vinha da alma e fluía-lhe por todos os poros, ainda que estes não precisassem dos 95% de transpiração que, ainda segundo ele, era necessário para escrever, sendo que os outros 5% seriam de inspiração. Ironicamente ele devia estar se referindo a mim porque para ele a proporção certamente era invertida.
Mas ele fez o que se propôs, no título: não teve crônica, fomos brindados com uma poesia, o que não me deixou nem um pouco surpreso, pois seus escritos, em grande maioria, são poesias, mesmo quando, em seu cartão de visita, enganosamente nos dizem que são prosa.
Não escrever para ele era isso, mais um Uirapuru a me causar uma tremenda inveja, eu que não ouso cantar como coleiro, e que chego a ter inveja até dos dois netos, calopsitas, que, sempre ao meu lado, são quase tão desafinados quanto o avô.
Não escrever, diferentemente de Drummond, para mim é isto.
Para Malu, inspirado em seu comentário no texto, já citado no início deste, Poeta/Não Poeta, e ainda, aproveitando porque sei que ela gosta muito de Mário Quintana, peço licença ao espírito deste para discordar, e se alguém perguntar, eu explico, como bate um coração “langorosa e suavemente”. Creio que ninguém vai perguntar, especialmente os que leram o grande poeta. Os que não leram podem sair à francesa, então eu não tenho como perder.
Julho de 2013.


segunda-feira, 15 de julho de 2013

EM BOA COMPANHIA

Fui a um evento cultural em São Paulo em que o excelente poeta alagoano Raimundo Palmeira declamou "Ontem foi Sábado" muito bom e inspirado no outro melhor ainda, de Vinícius, "Porque Hoje é Sábado". Como não sei escrever como nenhum dos dois, fiz este pequeno texto (textículo?) na sequência da semana, e posto exatamente para aproveitar o dia de hoje.


Segunda feira, cara de domingo

"Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças feiras mais cinzentas, têm o direito a converter-se em manhãs de domingo".
Thiago de Mello - Os Estatutos do Homem - Artigo II .

A gente sempre reclama da segundona, né? É a ressaca, a rotina de sempre, enfrentar o chato do chefe, é saber que o próximo sábado demora uma eternidade, é voltar pra dieta por dois longos dias interrompida. Mas o que dizer quando acordamos com a sensação de que temos de ir a feira, o que só fazemos aos domingos? Que o sol está nos convidando a ir à praia e que temos certeza que encontraremos lá muita gente e especialmente os amigos?
É realmente uma segunda bem diferente, talvez seja a proximidade do Natal. Ou a condição de aposentado, adquirida após muitas iguais e massacrantes segundas chatas com chefes idem, impressão de ser escravo da sobrevivência, do instrumento de tortura chamado trabalho, da rotina neurotizante de quem foi bancário (leia-se: auxiliar de ladrão), por 25 anos.
Será que uma segunda assim pode ser encarada como um ano novo? Ou mais ainda: como um recomeço (ou ressurreição), para quem por tanto tempo se encontrou perdido. (Morto? Pelo menos quando trabalhava fiquei por longo período lotado no arquivo
que leva este nome, mas que em virtude da turma que ali trabalhava ganhou o apelido carinhoso de Setor Pé na Cova.)
Pode ser o milagre há tanto esperado, batalhado, buscado talvez desde o parto, que já foi bastante difícil, infância com mais dificuldades ainda, muita batalha pelo rango, que infância mesmo...babau.
Uma segunda sem obrigações, sem a vida igual areia, esvaindo-se em uma ampulheta.
58 anos de luta, faltando poucos dias para somar mais um, e enfim encontrar o dia que queria para toda a vida e ele me vem, ironicamente, na segunda-feira. Deus, como disse o poeta, deve ser mesmo um cara gozador. Quem sabe um dia ele me explica por que
fez as segundas tão chatas e depois me presenteou com uma tão maravilhosa. E sem estresse ou ansiedade, não tenho qualquer pressa pela explicação.

Novembro de 2007.




quarta-feira, 10 de julho de 2013

Preguiça Poética

Como estou sem nenhuma disposição para escrever, principalmente poesia depois que reli Castro Alves, e para não deixar meus poucos leitores na mão, vou postar umas crônicas.


CALÇADA DA FAMA

Estou na terceira ou quarta idade pagando um carnet da Genésio Morra Fácil e nestas condições, se deixei de bater ponto no banco, passei a bater no posto de saúde. Vou quase todo dia santo e especialmente às segundas-feiras quando as doenças tiveram três longos dias para fazer a festa. Como tenho que ir cedinho para entrar na fila, ao passar na última esquina antes do posto sempre tem frente ao bar um bom número de alcoólatras a esperar pela abertura da “farmácia”. Chova ou faça sol eles também batem seu ponto e estão sempre lá. Conseguem não sei onde umas cadeiras, e quando estas são insuficientes, encostam-se nas paredes, ou sentam mesmo no chão. O fato é que estão sempre ali e aí o pessoal não perdoou, virou Calçada da Fama.
Até que tem uns cirróticos bem simpáticos e vez ou outra eu paro e compro algo pra eles ou dou algum dinheiro pra birita. Certa vez um me pediu um maço de cigarros e fui ao outro bar, em frente, para comprar. Vi uns pastéis quentinhos e bem apetitosos e comprei um para ele, mas de sacanagem, na hora da entrega, escondi o cigarro e ofereci o pitel. O camarada criou o maior caso e eu abri a mão onde estava o cigarro. Ele ficou tão sem graça que até hoje tenho dor na consciência da maldade que fiz.
Gelson, perna de passarinho, frequenta pouco a Calçada mas em compensação seu Nésio tem que expulsar ele do balcão quase todo dia e em alguns ele sai no carrinho de mão. Ele tem conta corrente no botequim mas as anotações estão apenas na coluna de débito. Bruno todotorto, ainda não está na Calçada porque só bebe simidão, pagar que é bom, necas, e olha que é aposentado e recebe um bom trocado.
Bebo Ananias tá sempre na exposição mas tem lá suas razões: é compositor e vive cantando seu maior sucesso, Maria Rosa, do qual só me lembro o estribilho: Maria Rosa deu um peiiiiido na ladeira... e lá de cima só se ouvia a peidadeira.
Às vezes, lá pela madrugada ele implica com alguns políticos ou vizinhos, com a mesma gritaria com que canta seu estribilho e numa dessas ele implicou com Gelson que dormia dentro de uns carros velhos, no meio da rua. Ameaçou botar no carro um casal de pulgas e deve ter cumprido a ameaça já que em pouco tempo Gelson abandonou os carros e anda com as pernas bastante roídas.
Chico, filho de seu Nésio, não bebe em casa pois o pai não serve. Um vez encontrei-o na feira e perguntei se ele levaria um buquê de flores para a irmã dele, Angelita, minha vítima favorita no Posto de Saúde. Ele, na maior boa vontade, saiu rapidinho com as flores e eu dei-lhe o trocado para tomar a de lei, mas mesmo assim as flores ainda estão a caminho. Não sei se valeram uma ou mesmo duas cachaças, e ele sempre que me vê afirma que entregou as flores, só não diz a quem.
Machadinho, quando era o feliz proprietário de um bar, tinha um lema: se sobrar nós vende. Já o Romário, frequentador não tão assíduo da nossa Calçada, tem um lema diferente: A gente não vende tudo porque se não vai pagar mais caro no bar famoso. Como ele só negocia aos domingos, na feira livre, na segunda o patrão é dispensado de lhe ver a cara. Feira normalmente acaba cedo, principalmente pra ele que não pode vender a mercadoria toda, então o restante do dia e, creio, às vezes algumas noites, são dedicados ao consumo doméstico. Também não sei se é quando sobra muito ou pouco, mas o fato é que algumas vezes encontro ele bem cedo, desesperado a bater na porta de um outro botequim, (pois a Calçada, sendo nobre, tem horário para abrir) perturbando o dono pra servir a primeira da semana antes de raiar o sol. Lembrei-me do Castanha, que bem moço mas já inveterado, na segunda ele sempre esfriava o café e, todo se tremendo, punha álcool dentro e ingeria. Detalhe: ele era envernizador e o álcool era o sujo mesmo, de fazer verniz. Morreu cedo, verniz não deve ser muito bom pro fígado.
Antes que eu esqueça devo dizer, para quem por acaso não saiba, que também sou alcoólatra, meio sistemático, é certo, mas mesmo assim sou, e todo dia por volta das dez da manhã, lá estou eu começando o almoço e sofregamente bebendo meus limãozinhos. Por isso tenho que descrever com muito carinho os meus companheiros de vício. E se com carinho também dou os trocados pra bebida, alguns maldosos me chamam de mata bêbado pois vez ou outra um engole um gole a mais e papoca, como se diz no Ceará: com linha e tudo.
Mas não faz mal, o Genésio é logo na outra esquina e seu nome deve ser derivado de generoso, pois deste pessoal ele cuida, mesmo sem carnê.
Chega, tá dando dez horas e eu tenho que cuidar da vida pois a morte é certa, com ou sem os pagamentos à funerária. Vou tomar a minha, e tenho que sair um pouco antes pois sendo sábado, e ainda com a mulher em casa, sou obrigado a tomar banho. Saco, já tou atrasado, essa merda de bater ponto!
Março de 2011.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

VÍCIOS


Há muito tempo atrás eu era viciado ne jogo do bicho e vivia sonhando com números, chegando até mesmo a acertar uma vez no milhar que me veio através de um desses sonhos. Quando fiz este poema também estava meio viciado em escrever e ele me veio quase totalmente em sonhos, só tive que dar uma arrumadinha, pela manhã.


SÚPLICA

Por favor, não vá, não vá agora
Espera (em calma)
As flores da Primavera
Da minh’alma.

Por favor, não, não vá agora
Espera o sono bom da madrugada
Quem sabe estando já bem saciada
Possa eu finalmente te deixar sair
Esperando que me prometas vir
E sem demora
Mas, por favor, não vá, não nesta hora.

Não deixe que minhas flores se afoguem
No líquido rubro que meu peito chora.

Para que eu engane minha saciedade
Fique mais um pouco só que seja
Depois te pedirei mais outro tanto
E suplicar, eu sei, também é pouco
Diante do não pedir e ficar louco:
Perder o céu, de sempre que me beijas.

Nervos, coração, mente, tudo te implora
Por favor, não vá, não vá embora.

Stenio, (em sonhos/pesadelos), setembro de 2009.

terça-feira, 18 de junho de 2013

CIÚMES, BRIGAS, FIM DE CASO.

No tempo em que eu frequentava o Yahoo Respostas "conheci" Malu que veio a ser minha parceira em diversos textos que eu considero entre os melhores que produzi. Como ela era muito ciumenta nós vivíamos brigando pelo computador e ela sumia. Em um desses sumiços, que pensei ser definitivo em virtude da duração, fiz este poema pra ela e consegui trazê-la de volta, mesmo por pouco tempo. Posteriormente terminamos a parceria, lamentavelmente, mas pelo menos estamos em paz.


RENÚNCIA

Com o coração em sangue vivo, parto
E em teu peito, sem vida, deixo um outro
Foi tão intenso ainda que platônico
Virtuais amores, hodiernos e calientes,
Chegam tão mansos e viram tsunamis.

E por ser tão intenso exorbitar tentei
E perto quis teus olhos que tão bem me viam ao longe
E teus lábios que tão belas palavras ciciavam
E teu seio que eu sentia vibrar em cada verso.
Enfim, te quis toda junto a mim, mas foi procura vã.

Tinha bem mais, é certo, a tua alma,
Mas o teu corpo a um outro pertencia
Romper de vez o tênue véu que inda separa
A confortante ilusão da realidade crua (e nua)
Pode ser bem doído a dois, quiçá a quatro.

Resolveste imolar-te, e a partida agora
É tua, e tão breve quanto assaz sofrida.
E é duplicada, pois também me parte
E desta feita fatia em muitas partes
O músculo teimoso do meu peito.

Mais uma fuga, talvez definitiva?
E aonde irás, por quais caminhos ermos?
E em que veredas da vida tu me deixas?
Cego, pois teus olhos é que me guiavam
Mas não ver, não sentir, talvez seja melhor, agora.

Pois os já úmidos teclados não escrevem
E os e-mails não anseiam mais ser lidos
Lenços imaginários, bem mais brancos
Acenam a lamentar nossa desdita.
Nossa renúncia é dor pra toda vida.

Em 29/01/2009 (aniversário da musa).

terça-feira, 28 de maio de 2013

Poeta/Não Poeta

Minha idéia, ao criar o Blog, era postar textos e pela primeira vez vou postar apenas um ou dois comentários (contrariando minha linda companheira, pedagoga, que diz que qualquer escrito é texto, e ela, como sempre, deve ter razão).
Mas o que me fez contrariar a mim mesmo foi que estive relendo Castro Alves, de quem decorei muitos versos no ensino médio, e agora fui ver com outros olhos. Fiquei maravilhado com as riquezas de vocabulário e de rima, com o nível cultural que demonstra em cada um dos poemas. Fiquei com raiva a ponto de largar um livro sem ler todo. Raiva de mim mesmo por não saber escrever nada parecido, tanta que nem sei se ainda vou escrever algo, pois já tinha um pouco e agora vou sentir muita vergonha quando alguém disser que sou poeta. E o pior de tudo: o moleque morreu com 24 aninhos!

terça-feira, 14 de maio de 2013

ENDORFINA

COMO PUBLIQUEI UM MOMENTO MUITO RUIM COM MINHA DEPRESSÃO, NADA MAIS JUSTO QUE TAMBÉM PONHA O REMÉDIO UTILIZADO, POIS MEUS POUCOS LEITORES NÃO PODEM FICAR SOMENTE COM A PARTE RUIM, E A BOA, NESTE CASO, É UMA GRACINHA: MINHA BELA NETA DE UM ANO E MEIO.


Endorfina

Teu rosto surge a todo instante em meu computador
Lembrando-me o quanto pode ser diferente a vida
Que se num momento me parece bastante deprimida
Tu me vens e por encanto desaparece, de repente, a dor.

Tenho muitas fotos, que vêm em meu socorro
Em poses inteligentes, engraçadas, belas.
E a te admirar eu fico em cada uma delas
E desta forma, logo, logo, da depressão eu corro.

É meio como um Prozac, mas que não me dá sono
E nem me deixa o dia inteiro com as pernas bambas.
É só tocar a vida mesmo quando não se sabe como
Ou se quem vai na frente é o samba ou a caçamba.

E estes momentos que compensam toda a frustração
Me dizem ou chego a sentir que a vida vale a pena
Pois vejo que mora, bem dentro do meu coração
Uma maravilhosa menina que se chama... Helena.

março de 2013.

domingo, 7 de abril de 2013

ANJALÚCIA


LÚCIA

É difícil fazer versos sobre anjos
Quando não se tem nenhuma fé
Então tive que fazer uns arranjos
Pois estavam pegando no meu pé.

E assim meio em prosa meio em versos
Fui escrevendo, tecendo umas loas
Para esta que tão pouco conheço
Mas é das melhores, dizem as pessoas.

Tendo sempre uma palavra amiga, ainda que quem a ouça não seja amigo de fato, sem precisar de pretexto ela pratica tal ato. Também sempre de bom humor, e se o sorriso não é constante em seu rosto, basta-lhe o gesto, a atitude, para demonstrar com sutileza, que vive para agradar e não só aos mais próximos mas, principalmente, aos que precisam de u’a mão amiga, de um afago no ego, de um carinho, sonoro ou silente.

Amar ao próximo, como a si mesmo. Nunca um mandamento foi tão bem aceito e aplicado de fato. E é algo de si, sem a necessidade e talvez nem mesmo a consciência da aplicação daquele que, para os católicos, é o resumo da vontade de Deus; e, desta forma, ela pode ser lembrada, ou comparada, com esta vontade.
Sem nunca alardear seus feitos, o prazer de servir, de ajudar o próximo, é sua recompensa e seu dom, uma dádiva (para quem precisa), ou um anjo da guarda (para quem crer).

Se é contrariada, e certamente o é, quiçá muitas vezes, não reclama e nem sequer demonstra. Continua em seus afazeres, que não são poucos, e deixa a impressão aos que lhe conhecem que sua vida é uma linha reta, sem ser monótona.

Mas reto mesmo é o seu proceder
Onde não se encontra o que retificar
Só faz concessão a quem merecer
E a gente assim podemos louvar.

Se seu nome tem gosto de mel
Em seu rosto se reflete a paz
Quem sabe, já morou no céu?
Avante Lúcia! É assim que se faz.

De Ana Paula e Stenio, para Lúcia Zuqueto.
Fevereiro de 2012.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

POR ONDE ANDA A POESIA? SERÁ QUE PODEMOS ENCONTRÁ-LA EM QUALQUER LUGAR?


O Lugar da Poesia

O nascimento é quase sempre uma festa
Celebrada como o é a Primavera
E esta está sempre relacionada à poesia.
Mas a Primavera passa e vem o Outono
Que com suas folhas decrépitas deveria
Ser a antítese da vida, da poesia.

Mas o multicolorido tapete, as folhas mortas
Também têm muita beleza e nos inspiram
Passamos a poetar pra o que seria a morte
Morte? João Cabral e Chico. Severina é vida.
Ora tragédia, ora música, bom teatro ou circo.
Vida é morte, morte é vida, é poesia.

Também vejo no lixo, uma garrafa PET
Um jornal amassado ou um ferro velho
Que na mão do artista se transformam
Em algo bem mais agradável aos nossos olhos
Deixa de ser desconforto, para ser poesia
Tirada do submundo, só e pura ousadia.


Se nas entranhas da vida, na certeza da morte
E na imundície do lixo, encontramos arte.
E mesmo não procurando, mas um pouco atentos
Vemos a poesia, entranhada em qualquer parte
Da vida. Seja ela doce, amarga ou somente vivida.
Há poesia no céu, na chuva, na roupa ou na comida.

Água, feijão com alguns temperos adicionados,
Cozidos e liquefeitos, é mistura sem grande valia
Mas se passar pelas mãos mágicas da Noélia,
Vira, ao ser servida, maravilhosa ambrosia
A nos provar que em cada coisa deste mundo
É possível sentir, cheirar, cantar e até comer a poesia.


Stenio, novembro de 2012.

terça-feira, 2 de abril de 2013

AUGUSTO DOS ANJOS?



Um psiquiatra meio maluco me receitou uns remédios para depressão e eu fiquei assim, espero nunca mais vê-lo. Uma pessoa comentou que eu encarnara Augusto dos Anjos. Não exageremos tanto, né?



Niilismo

Tema pomposo dissecado por Sartre, o grande.
Mas é o que venho sentindo ultimamente
E a dormência contínua, será sua acompanhante?
Ou apenas uma antecipação de meu já pouco tempo.

Tento reagir, jogo xadrez, leio, faço ginástica
Nenhuma dessas coisas me traz qualquer alento
O comprimido noturno mesmo com pesadelos
Me dá uma trégua, e por isso eu o aguento

No início da noite o nada me bate em todo o corpo
E não tendo analista, então caço escrevendo
Num esforço bem maior que a produção, mas
Qualquer ganho é lucro, ainda que bem pouco.

É a forma de não ir ao sabor do vento amargo.
Vento que me entorta o corpo, esvazia a cabeça
Que me bambeia aonde vou, em cada passo
Que faz u’amarga revolução em meu estômago

Que me retira a vontade, coagula meu sangue
Coisa tão leve mas, sem vida breve, e ainda,
Que tem o poder de me deixar exangue.
À certas brisas é preferível a tempestade.

Março de 2013.




quarta-feira, 27 de março de 2013

Parece que consegui reverter o BLOG ao formato original, que menos charmoso mas bem melhor de ler. Como teste vou postar algo. Se der certo continuarei postando.

MODERNIDADE

Sol a pino, mulheres (ocidentais) de burca
Suando em bicas a colher abóboras.
Crianças dão sal ao gado, embalam verduras
Trabalho no campo: exaustivo, inglório, ilegal.

Um ninho de passarinhos, com fugas e cantos
Ao lado da casa “sede”, nem sequer é visto
Não há tempo para deleites, romantismos
A sobrevivência é que lhes dita o dia a dia.

E o trabalho infantil, e a extorsão das mulheres
Vai parar na minha mesa, normalmente farta
E na de gente ainda mais exploradora.
Triste ser humano que seus escravos perpetua.

Os burros de carga coexistem com avançadas
Tecnologias, e estas que a bem poucos beneficia.
Bela musa me diz, como se pode escrever poesia?
Preciso que um bom médium me evoque

De Castro Alves o espírito pra escrever com alma
Sobre escravos modernos, que nem são africanos
E um encosto de João Cabral que me transmita
A fórmula mágica de dizer que a miséria é bela.

Mas a não muitos quilômetros, já na cidade grande
Mesmo que forçado, o povo pobre faz a poesia
Empurrado morro acima na bela montanha
Que desmorona em versos que à musa contraria.

E à noite, quando as luzes mais baixas e mais ricas
Sucumbem à imensidão de vaga-lumes
Me regozijo e, pra não dizer que não falei de flores
Vejo ao longe a bem alto uma via láctea. Belíssima!

Março, 2013