sexta-feira, 11 de outubro de 2013

MÁGICAS DAS VELHINHAS

RUBEM BRAGA DIZIA QUE SEU MAIOR SONHO ERA ESCREVER UMA CRÕNICA EM QUE O LEITOR RISSE DO COMEÇO AO FIM, OU QUE CHORASSE DE RIR. EU SEI QUE NÃO CHEGUEI NEM PERTO DESSAS DUAS COISAS MAS FIQUEI MUITO SATISFEITO QUANO MINHA LINDA NEGA, ANA PAULA, DISSE QUE RIU MUITO, QUANDO LEU, AINDA SEM EU TER TERMINADO. TAMBÉM NA PUBLICAÇÃO ELA TEVE SUA PARCELA DE CULPA, POIS PEDI PRA ELA ESCOLHER UM TEXTO DE AMOR E OUTRO DE HUMOR, E ELA ESCOLHEU ESTE E "UM CARINHO, UMA ESTRELA, UMA ROSA".

Três Santas, Três Mágicas


Primeiro foram as medalhas ganhas no jogo de xadrez e doadas à minha mãe. Em uma viagem de Fortaleza para Vitória elas foram roubadas durante o vôo, de dentro da mala trancada e ainda no compartimento de cargas, provavelmente nas alturas. Foi coisa forte pois mesmo ela rezando uns três terços por dia as profanas medalhas não apareciam. Necessário foi voltar a Fortaleza na esperança que elas reaparecessem durante o vôo à custa de reza durante todo o trajeto, não sei se o objetivo era mesmo este ou somente este, mas o fato é que as sumidas, como eu já disse, eram profanas e, provavelmente, quem as roubou também era, e nenhum se deu por achado. Nova apelação, desta feita pra minha cunhada Célia (bela Célia), que também rezou alguns terços, fez uma promessa para padre Cícero mas, depois de três dias sem obter resposta, lembrou que o santo Papa não tinha autorizado nosso santo padim ser santo. Aí esculhambou geral e transferiu a promessa para uma tal Nossa Senhora das Medalhas Roubadas que eu nem sei se existe, mas ela, Célia, que entende do assunto, jura que sim. Como reforço contratou um anjo que tem fama de detetive para auxiliar nas buscas. Não deu outra, mais três dias e lá estão as ditas cujas bem no fundo do guarda-roupa onde a velhinha costumava escondê-las dos netos mais travessos. É claro que quem roubou, não agüentando tanto santo e reza juntos, devolveu, e com medo das peraltices, guardou onde os moleques não achassem e recaísse a culpa sobre ele, arrependido larápio.
Da segunda vez a eternidade. Peraí, peraí, eu não sou poeta e nem sequer sei citá-los, então não teve nenhuma eternidade, apenas deve ter passado mais tempo sem que o causo fosse solucionado. É que dessa vez sumiu uma panela e sabendo da devoção das velhinhas, (esta era de outra), a tal panela, que certamente queria permanecer sumida, levou junto uns santos. Ai é que a aflição foi grande, pois se a panela era de estimação, os santos nem se conta. Procura de cá, caça de lá o mordomo levou a culpa. Esclarecendo: mordomo de pobre é uma negra, bela, mas que, de tão pequena, parece subnutrida, tem uns 14 anos, dois filhos e ganha duzentão por mês. É, não vamos crucificar a querida Nonata, pois com este perfil a mordoma tinha mesmo tudo para ser culpada. Mas, esquecendo estes detalhes e lembrando da situação anterior, foram direto a Santa Célia. Ocorre que esta parece que já estava devendo muita promessa e não quis se endividar mais ainda. Eu lembrei imediatamente da santa das medalhas, mas alegaram que uma Nossa Senhora das Panelas não deveria existir e por aqui se acaba o meu repertório de soluções detetivescas e, apesar do repúdio ao preconceito, aceitei (na moita, como os demais) a culpa da mordoma. Caso sem solução? Negativo, foi só esquecer, precisar tirar alguma poeira e lá estava a panela de e com todos os santos escondida no mesmo fundão, só que de outro guarda-roupa. Eu que tenho um bem-te-vi de estimação e xingamentos pus a culpa nele já que o mesmo havia sumido durante todo o período.
Quando achamos que a estória tinha terminado, somem, ao mesmo tempo, dois pentes das velhinhas. Ora, não é que para me azucrinar eu tava lendo, de Paulo Mendes Campos, Meu Reino por um Pente, que trata com maestria do assunto sumiço de pente. Só que eu não tinha, como Ricardo III, um reino para a troca, muito menos dois. Apelamos novamente para Santa Célia Limpa Poeira, mas, desta vez, a limpeza foi inútil. Eu que não tenho nada de devoto e com tanto some-some e ainda, não querendo me repetir e culpar o meu pássaro favorito, lasquei tudo nas costas de um gnomo e só de sacanagem ensinei às velhinhas a oração de São Longuinho. Falou que é oração, não importa para qual santo, elas rezam na hora, e desta vez, esqueceram um pouco a birra existente entre as duas e como era para o bem da nação, rezaram juntas. Na hora de dar os três pulinhos como manda a reza, encrencou, pois nenhuma delas pula mais nada. Parece que o dito santo é bastante forte, pois quem pulou, ou caiu, foi o gato da vizinha e logo bem dentro do cesto de lixo. Quando alguém foi tirar o bichano, de longe avistou os dois pentes que por terem alguns dentes quebrados, um santo qualquer mais piedoso (Célia?) os jogara no devido lugar.

Stenio, durante 14 (longos) dias de julho de 2007, na Bela Vista, Fortaleza-CE

Um comentário:

  1. Minha esposa disse que riu do começo ao fim, e eu lembrei de Rubem Braga, o mestre das crônicas, que disse: meu sonho é escrever uma crônica onde o leitor ria do começo ao fim, ou que chore de rir. Na minha insignificância já fiz as duas coisas, com escritos diferentes.

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